Pontos fundamentais da análise de riscos na indústria farmacêutica

Todas as atividades produtivas possuem algum tipo de risco envolvido, podendo impactar mais ou menos na qualidade do produto final. Contudo, se esse abalo envolver risco à saúde das pessoas torna-se imprescindível sua identificação, avaliação e controle. Esse é o caso da indústria farmacêutica, que tem por objetivo precípuo garantir a segurança da saúde do paciente que irá consumir medicamentos. Um instrumento que permite às empresas a tomada de decisão sobre determinação de perigos em seus processos é a análise de riscos. “Não é por acaso que ela é o primeiro documento da validação do processo. A análise de riscos é imprescindível para dar profundidade ao estudo, pois avalia a sua criticidade”, esclarece Fernanda de Oliveira Bidoia, diretora técnica da consultoria Farmacêuticas.

O conceito de análise de riscos foi adaptado da indústria de alimentos e aeroespacial para o setor farmacêutico há pouco mais de uma década. Em 2003, a Organização Mundial da Saúde (OMS), em conjunto com outras organizações, como a International Conference on Harmonisation of Technical Requirements for Registration of Pharmaceuticals for Human Use (ICH) e a International Organization for Standardization (ISO), ajustou e integrou a análise e o gerenciamento de riscos para fabricação de produtos para a saúde humana e veterinária, estabelecendo parâmetros entre a ocorrência e a severidade de danos que, aos poucos, foram sendo incorporados pela indústria global.

“Na verdade, todas as ferramentas de análise riscos foram derivadas de processos envolvendo a corrida espacial dos anos 1950”, revela Azi Maurício Guerra Ceccopieri, gestor técnico industrial especialista em processos. Em 1959, a agência espacial norte-americana NASA criou o Sistema de Gestão de Segurança Alimentar. Esse método foi desenvolvido para prevenir a contaminação dos alimentos dos cosmonautas.“Imagine o que faria um astronauta se desse alguma coisa errada no espaço. Todas as derivações e ferramentas para prever os riscos surgem daí”, completa Ceccopieri.

Análise de riscos no Brasil

As primeiras experiências de adaptações das ferramentas de análise de riscos para a indústria farmacêutica instalada no País ocorreram a partir da década de 1990. “Tínhamos que prever tudo o que era possível acontecer de problema nos nossos processos. Nessa época, utilizávamos as ferramentas voltadas para o mercado alimentício, mas mesmo neste setor havia problemas, a lei ainda era muito frouxa. Na produção de grãos para o mercado interno, por exemplo, não era exigido sequer detecção de metais durante o processamento. Só valia para produtos voltados à exportação”, afirma Ceccopieri, destacando ainda que a legislação manteve algumas incongruências. “Um dos riscos mais absurdos previstos em lei é o que permite a produção de ketchup com até três pelos de rato por frasco produzido. Caso o roedor esteja contaminado, basta um pelo para transmitir doenças como a leptospirose.”

Análise de riscos no setor farmacêutico passou a ser demandada a partir da RDC nº 17/2010, que trata das Boas Práticas de Fabricação (BPF) de medicamentos. Outra resolução − RDC nº 73/2016, que trata das mudanças pós-registro do medicamento − também incluiu a análise de riscos como exigência pela Anvisa. As empresas devem apresentar um plano de riscos, condicionado à obtenção ou renovação de licenças e registros sanitários.

“Deve-se prever o risco a que um medicamento será submetido durante o processo de fabricação, considerando três formas principais: riscos sanitários, riscos conhecidos e riscos desconhecidos”, assinala Ceccopieri. Vários tipos de contaminação possíveis são analisados − microbiana, cruzada, por resíduos de agentes de limpeza ou sanitização, exposição a temperaturas e umidade prejudiciais à estabilidade do produto e problemas nas etapas de fabricação, dos excipientes, passando pelos princípios ativos, até a embalagem.

Segundo Ceccopieri, dentre os principais riscos, estão a contaminação com qualquer coisa que não pertence ao processo ou ao fármaco, manuseio incorreto, equipamentos danificados, embalagens impróprias, processos inadequados e até sabotagem. Segundo o especialista, dos principais erros de fabricação, a maioria pode ser atribuída a falhas humanas e de processo, sendo um número muito pequeno relacionado a problemas de matéria-prima.

Ferramentas da análise de riscos

A análise de risco é um processo sistemático de aplicação de ferramentas de gestão da qualidade que visa levantar, controlar, divulgar e revisar os procedimentos e práticas utilizados na fabricação do produto. Isso inclui a proteção aos trabalhadores das unidades produtoras contra possíveis riscos causados pelo contato direto (pela pele ou ingestão) de algum componente das formulações, por contaminantes dispersos no ambiente ou condições climáticas (temperatura e umidade) inadequadas. Também faz parte do procedimento de prevenção de riscos a proteção ao meio ambiente, evitando dispersão na água ou no ar de resíduos sólidos, líquidos ou vapores contaminados. “Análise e gerenciamento de riscos é sistematizada para controlar todo o ciclo de vida do produto, da etapa de desenvolvimento até o consumo, considerando todos seus impactos”, observa Jair Calixto, gerente de Boas Práticas, Inovação e Auditoria Farmacêutica do Sindusfarma-SP.

De acordo com Calixto, a análise de riscos é um instrumento que auxilia as organizações na tomada de decisão sobre determinação de riscos em seus processos internos e externos e permite a implantação do gerenciamento de riscos na qualidade (GRQ). A utilização do GRQ na indústria farmacêutica tornou a tarefa mais científica com a publicação do guia ICH-Q9, permitindo a avaliação do risco em todas as etapas e atividades de fabricação. O guia foi produzido pela ICH, grupo internacional que reúne autoridades reguladoras e associações de indústrias farmacêuticas para discutir registro de medicamentos.

Três elementos principais estão indicados no guia da ICH: determinação, controle e revisão dos riscos, explica Calixto. Na etapa de controle, quatro resultados possíveis são avaliados para dimensionamento e tratamento do risco. O primeiro deles é quando se detecta que o risco é alto e a probabilidade de sua ocorrência também é elevada. Nesse caso devem ser implementadas medidas para eliminação total do risco encontrado. De risco médio para alto, providências de redução têm de ser tomadas, de forma a minimizar ou mitigar a sua ocorrência. Para risco residual de probabilidade reduzida, baixo impacto e alta detectabilidade permite-se a sua aceitação, recorrendo ao monitoramento. Outra possibilidade é a transferência do risco para outra empresa, que fica responsável pelo monitoramento e solução do problema, caso ocorra. “A empresa pode fazer, por exemplo, um seguro das instalações contra fenômenos naturais ou de outra ordem”, salienta Calixto.

Dentre as principais ferramentas utilizadas na análise de risco, duas delas se destacam: Análise de Efeitos e Modo de Falha (FMEA − sigla em inglês para Failure Mode Effects Analysis) e Análise de Perigos e Pontos Críticos de Controle (HACCP – Hazard Analysis and Critical Control Points). “Esses são os dois modelos básicos mais utilizados”, explica Jair Calixto. “Na FMEA é analisada a graduação do risco (severidade, ocorrência e detecção), enquanto a HACCP é utilizada para identificar o risco e é também muito aplicada na indústria alimentícia”, diz.

Para os riscos ligados ao produto em si e ao processo produtivo a FMEA é a mais completa, observa Fernanda Bidoia. “A HACCP pode ser usada na análise da segurança do trabalhador e no ambiente em que ele atua”, afirma a especialista. Outras duas ferramentas − Análise de Operabilidade de Perigos  (HAZOP – Hazard Operability Analysis) e Análise Preliminar de Perigos (PHA – Preliminary Hazard Analysis) − são também aplicadas, lembra Azi Maurício Ceccopieri, que, contudo, faz uma ponderação. “É preciso bom senso no momento de avaliar os riscos, escolhendo as ferramentas mais adequadas a cada caso. Muitas empresas ainda pecam por desconhecimento do uso dessas ferramentas ou por não ter profissionais gabaritados para conduzir o processo”, diz Ceccopieri. Outro ponto importante é que, antes de todos, a direção deve estar convencida da importância da análise de risco como ferramenta eficiente de gestão, de forma a tornar os processos mais confiáveis e econômicos.

Mudança cultural

Normalmente, se delega para o setor de garantia da qualidade a condução e execução do processo, “mas uma postura mais assertiva deve abranger uma equipe multidisciplinar”, defende Ceccopieri. Todos os setores devem estar envolvidos na avaliação e gerenciamento de riscos, desde a recepção da matéria-prima até a saída do produto final. “Algumas pessoas do mundo farmacêutico ainda creem que a palavra gerenciamento é exclusiva de gerentes, mas o gerenciamento de um risco em um processo produtivo é responsabilidade de todos os envolvidos, desde manipuladores, pesadores, operadores técnicos e gestores”, sublinha o consultor.

Para uma avaliação eficaz das rotinas principais, limites dos processos e pontos críticos do controle de fabricação deve-se montar um time qualificado de especialistas que conheça bem os riscos inerentes às atividades executadas pela empresa. Profissionais de farmacologia, ciências farmacêuticas, análise laboratorial, química, biologia, microbiologia, bioengenharia, engenharia de materiais, sistemas de ar, automação e mecânica, além da gestão da qualidade e de outras especialidades, podem dar o suporte necessário aos processos de análise de risco.

De forma geral, as etapas e os parâmetros críticos do processo produtivo − como aqueles que afetam a qualidade do produto − devem ser identificados, assim como outros estudos relevantes que demonstrem que o processo é capaz de produzir lotes com a qualidade desejada devem ser conduzidos com base no conhecimento do produto, do seu ciclo de vida e do processo. “Precisamos ter em mente que os riscos sanitários e os não sanitários estão presentes em toda a cadeia do medicamento. O importante é a empresa saber o que pode dar errado nesse processo e estar pronta para agir e corrigir”, frisa Ceccopieri, observando que se o medicamento sai do laboratório com qualquer falha as conseqüências podem ser graves. “Varia de uma interdição da Anvisa à perda de credibilidade da empresa no mercado. Tudo vai depender do efeito do erro, que pode resultar na ineficácia do medicamento ou até na morte do paciente.”

Segundo os especialistas, há uma quantidade robusta de instrumentos que foram testados com sucesso para análise e gerenciamento de riscos. O maior desafio reside, ainda, no aspecto cultural das organizações, que vem sendo vencido aos poucos. “Muitas empresas ainda veem a análise de risco como justificativa para liberação de produtos na Anvisa. O mais oportuno é utilizá-la de forma a melhorar os processos e ser empregada de forma preventiva, não apenas quando cobrado pela agência reguladora”, afirma Fernanda Bidoia, lembrando que o instrumento deve ser parte da rotina da produção.

Com uma ação preventiva de identificação de riscos impede-se que a maioria das falhas aconteçam e seja mais rápido e econômico eliminá-las ou mitigá-las quando ocorrem, evitando desvios de qualidade que possam gerar reprovação do produto ou até a sua retirada do mercado. “Mas, infelizmente, no Brasil, ainda predomina a atitude reativa. O ideal seria que todos os processos e produtos tivessem seus riscos analisados todos os anos. Assim, não se veria tantos recolhimentos de medicamentos”, diz Fernanda. “Na maioria das vezes, as indústrias só se preocupam quando acontece a fatalidade”, faz coro Ceccopieri. “Aí vão tentar compreender seus processos internos e externos para poder reduzir os riscos.”

Análise de riscos não serve apenas para produção, esclarece Jair Calixto. “Ela pode ser empregada também para assuntos regulatórios e processos administrativos da empresa, reduzindo as probabilidades de erros, como problemas no registro de produtos ou pagamento errado de tributos, gerando consequentemente ganho de tempo, de produtividade e de recursos”, diz. “Sem dúvida que a prioridade é reduzir os riscos específicos do produto, que pode comprometer a saúde do paciente. Mas a análise de riscos permite avaliar processos, a área produtiva inteira ou até a empresa toda”, acrescenta Fernanda Bidoia.

7 tópicos de destaque da análise de riscos

  1. Visa levantar, controlar, divulgar e revisar os procedimentos e práticas utilizados na fabricação do produto
  2. É fundamental para a validação do processo
  3. Deve ser empregada de forma preventiva
  4. Maiores riscos incluem a contaminação cruzada (quando há troca de materiais na linha de produção) ou com qualquer coisa que não pertence ao processo, manuseio incorreto, equipamentos danificados, embalagens impróprias, processos inadequados e sabotagem
  5. É uma recomendação incluída nas RDCs nº 17/2010 e nº 73/2016 da Anvisa
  6. Principais ferramentas de gestão utilizadas: FMEA, HACCP, HAZOP  e PHA
  7. Uma equipe composta de especialistas de várias áreas deve executar o procedimento de análise de riscos

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