O aumento expressivo do consumo de medicamentos ansiolíticos e hipnóticos — como os benzodiazepínicos e as chamadas drogas Z — vem acendendo um alerta entre profissionais da saúde. Embora indicados para uso controlado e por tempo limitado, esses fármacos têm sido consumidos de forma prolongada e, em muitos casos, sem o devido acompanhamento médico ou farmacêutico, o que favorece quadros de dependência química e psicológica.
Segundo dados da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), entre 2018 e 2023 o consumo de substâncias como diazepam, clonazepam e zolpidem cresceu em ritmo acelerado. O volume de caixas comercializadas de zolpidem, por exemplo, quase dobrou no período, saltando de cerca de 20 milhões para mais de 37 milhões. O clonazepam manteve a liderança entre os ansiolíticos mais consumidos no país, registrando aumento superior a 30%. Já o diazepam, um dos mais antigos e conhecidos, apresentou elevação de 15% em seu consumo.
Os benzodiazepínicos e as drogas Z têm indicações clínicas legítimas: são utilizados para o tratamento de distúrbios de ansiedade, insônia e crises de pânico, entre outros quadros específicos. Quando usados sob prescrição e com acompanhamento adequado, costumam ser eficazes e seguros.
O problema surge no uso continuado, sem orientação profissional. O organismo desenvolve tolerância rapidamente, o que significa que, com o tempo, a mesma dose deixa de produzir o efeito desejado, levando à necessidade de aumento progressivo. Essa escalada abre caminho para a dependência. Além disso, a interrupção abrupta pode causar sintomas de abstinência severos, como irritabilidade, tremores e insônia intensa.
Especialistas apontaram que esse ciclo de uso e recaída tem se tornado comum e silencioso, de acordo com reportagem da Veja. O hábito de recorrer ao medicamento para dormir ou ao calmante sem supervisão consolidou uma dependência social que se infiltra no cotidiano e atinge diferentes faixas etárias, com destaque para mulheres entre 35 e 60 anos.
Farmacêuticos no controle
A legislação brasileira classifica os benzodiazepínicos e as drogas Z como medicamentos de controle especial, exigindo retenção da receita e registro das vendas. Ainda assim, o acompanhamento efetivo do uso nem sempre ocorre, e o farmacêutico tem papel fundamental nesse processo.
Como profissional de linha de frente, o farmacêutico também é responsável por verificar a regularidade das prescrições, orientar os pacientes sobre os riscos do uso prolongado e identificar sinais de possível abuso ou automedicação. Em muitas situações, é ele quem tem o primeiro contato com o paciente que busca reposição precoce do medicamento ou demonstra desconhecimento sobre o tempo de tratamento.
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O diálogo durante a dispensação é uma ferramenta essencial de prevenção. A orientação sobre o potencial de dependência, os efeitos adversos e a necessidade de reavaliação médica são medidas que ajudam a reduzir os riscos associados ao uso indevido desses fármacos. Além disso, programas de farmacovigilância e acompanhamento farmacoterapêutico, quando implementados, podem auxiliar no monitoramento de pacientes que fazem uso contínuo de ansiolíticos.
A escalada do consumo no Brasil
De acordo com a Anvisa, o Brasil figura entre os países com maior consumo de medicamentos psicoativos da América Latina. O crescimento é especialmente expressivo entre os hipnóticos do tipo zolpidem e entre os benzodiazepínicos de ação curta.
Os dados da Agência mostram que, em 2018, o país comercializou aproximadamente 40 milhões de caixas de ansiolíticos e hipnóticos de controle especial. Em 2023, o número ultrapassou 65 milhões, ou seja, um aumento de mais de 60% em cinco anos. A expansão é atribuída a múltiplos fatores: sobrecarga emocional pós-pandemia, facilidade de acesso a prescrições eletrônicas e banalização do uso desses medicamentos como soluções imediatas para o estresse e a insônia.
Outro aspecto preocupante é o avanço das vendas online e das farmácias digitais. Embora regulamentadas, essas plataformas podem dificultar o acompanhamento clínico e o controle de uso racional, ampliando o risco de consumo repetitivo e sem supervisão adequada.
Drogas Z: o novo ponto de atenção
As chamadas drogas Z (como o zolpidem e o zopiclona) foram inicialmente desenvolvidas para substituir os benzodiazepínicos, com a promessa de menor risco de dependência. No entanto, estudos recentes mostram que o uso prolongado também pode gerar tolerância e sintomas de abstinência semelhantes.
Por apresentarem rápida ação e curto período de efeito, esses medicamentos ganharam popularidade entre pessoas que buscam sono imediato ou descanso garantido. A consequência é a banalização do uso, inclusive entre indivíduos sem diagnóstico formal de insônia. Há relatos crescentes de pessoas que consomem o fármaco apenas para lidar com o estresse cotidiano, o que amplia o risco de uso abusivo.
O fenômeno do consumo abusivo de medicamentos ansiolíticos e hipnóticos também revela uma questão cultural. No Brasil, ainda há uma percepção de que medicamentos para acalmar são inofensivos, especialmente quando comparados a drogas ilícitas. Esse estigma positivo contribui para o uso continuado, muitas vezes sem acompanhamento.
Para os profissionais de saúde, combater essa distorção é um desafio constante. A orientação farmacêutica e campanhas educativas podem ajudar a conscientizar a população sobre o potencial de dependência e os riscos de automedicação. O uso racional de psicotrópicos depende, sobretudo, da corresponsabilidade entre prescritores, farmacêuticos e pacientes.
Controle e prevenção
A Anvisa reforça que o uso de benzodiazepínicos e hipnóticos deve ser sempre temporário e acompanhado por profissional habilitado. O controle das receitas e a rastreabilidade das vendas são medidas indispensáveis para garantir segurança. Entretanto, especialistas defendem que o acompanhamento humanizado nas farmácias é igualmente importante.
O farmacêutico, ao atuar com escuta ativa e orientação técnica, pode identificar padrões de consumo suspeitos e encaminhar o paciente para avaliação médica. Essa atuação integrada contribui não apenas para a segurança individual, mas também para a redução do uso abusivo em nível populacional.
Um alerta que precisa ser ouvido
O aumento do consumo de ansiolíticos e hipnóticos no país reflete uma sociedade que busca alívio rápido para o sofrimento mental, mas que, muitas vezes, ignora os riscos dessa busca. Reconhecer o problema é o primeiro passo para enfrentá-lo.
Profissionais de saúde, e em especial os farmacêuticos, têm papel essencial na conscientização e na educação sobre o uso racional desses medicamentos. Em um cenário em que a dependência química se camufla sob prescrições válidas, o compromisso ético e técnico dos farmacêuticos se torna uma das principais barreiras contra o avanço silencioso da dependência.
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