Médicos brasileiros que boicotaram a vacinação contra a covid-19 e estimularam tratamentos sem comprovação científica durante a pandemia encontraram um novo nicho de influência nas redes sociais: conteúdos, cursos, consultas particulares e venda de medicamentos para tratar o que chamam de “síndrome pós-spike” ou “spikeopatia”.
Nas redes sociais, em que somam juntos mais de 1,6 milhão de seguidores, os profissionais monitorados pelo Estadão Verifica afirmam ter descoberto em um estudo uma intoxicação por vacinas de RNA mensageiro (mRNA) com sintomas a longo prazo. Eles vendem a ideia de que seria possível tratar a “spikeopatia” com um protocolo. Os cursos divulgados por eles custam até R$ 685, e uma consulta particular chega a R$ 3,2 mil.
A existência da “spikeopatia”, porém, não é comprovada pela comunidade científica até o momento, e nem mesmo por eles. A proteína spike está presente na superfície do vírus SARS-CoV-2, e vacinas contra a covid promovem sua produção para gerar a resposta imunológica no organismo. É uma maneira de “ensinar” o sistema imunológico a identificar uma parte do vírus e se preparar para combatê-lo.
A teoria dos médicos sugere que a proteína spike induzida pelas vacinas de mRNA teria efeitos nocivos semelhantes ao da covid longa, uma condição crônica reconhecida pela ciência e que pode acometer pessoas infectadas pelo vírus. A hipótese é defendida pelo imunologista Roberto Zeballos, o infectologista Francisco Cardoso e o neurologista Paulo Porto de Melo em um estudo que publicaram na revista IDCases, em junho deste ano. Ela serve de premissa para o tratamento que sugerem no trabalho. O estudo foi contestado e retirado de publicação – isso acontece quando há falhas graves ou evidências de má conduta.
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Os três foram procurados pela reportagem, mas somente Cardoso e Zeballos responderam. Cardoso argumentou que o estudo jamais se propôs a criar protocolos, fazer recomendações populacionais, estabelecer nexos causais ou substituir ensaios clínicos. No entanto, o estudo afirma que a “síndrome pós-spike” é uma condição associada à proteína spike, originada tanto da infecção pelo vírus da covid quanto pelas vacinas de mRNA, sem que haja qualquer evidência científica que comprove a afirmação.
Zeballos disse que o propósito do estudo não era o de estabelecer um protocolo oficial, mas inspirar colegas a fazer ensaios clínicos para comprovar a eficácia do tratamento. Porém, como mostra esta reportagem, há recomendações de uso na rede social do médico.
Em setembro, o Estadão Verifica fez contato com a Elsevier, que publica a revista IDCases. A editora confirmou que o estudo estava sob investigação, após críticas enviadas por pesquisadores independentes. Dois meses depois, a Elsevier decidiu retirar o artigo de publicação.
Na nota de retratação, a editora argumentou que a disseminação do estudo pode promover a adoção prematura de protocolos de tratamento não validados, apesar de os autores o caracterizarem como um relato descritivo e gerador de hipóteses. A editora menciona ainda que, ao contrário do que os autores afirmam, não há evidências empíricas que sustentem uma ligação entre a síndrome descrita e as vacinas. “O potencial de dano, particularmente por meio da promoção de medicamentos não comprovados cientificamente, supera os benefícios da continuidade da publicação”, diz trecho da nota.
No artigo, os médicos propunham substituir o termo covid longa por “síndrome pós-spike”, para abranger a vacina como causadora dos sintomas, e não apenas o vírus da covid. Mas pesquisadores, cientistas e autoridades de saúde disseram ao Verifica que não existe comprovação científica de que a spike induzida pelas vacinas possa provocar os efeitos semelhantes aos da covid longa, como fadiga, névoa mental, dores nas juntas e diarreia.
Pelo contrário, uma revisão recente da literatura sobre o tema feita pelo Centro Europeu para Prevenção e Controle de Doenças (ECDC, sigla em inglês) mostrou que adultos vacinados tiveram 27% menos chance de desenvolverem covid longa do que os não vacinados. Outros estudos vão no mesmo sentido (aqui e aqui). No ano passado, o Ministério da Saúde afirmou que a covid longa não tem relação com as vacinas.
Nas redes sociais, as alegações dos médicos vão além do relato que havia sido publicado na revista. Zeballos, o principal autor do estudo, afirma em seu Instagram que a “spikeopatia” ou “síndrome pós-spike” está ligada não apenas aos sintomas identificados com a covid longa, mas também a casos de morte súbita em jovens, câncer e problemas cardíacos e neurológicos, dentre outros. Ele tem mais de 900 mil seguidores apenas nessa rede. Até outubro deste ano, Zeballos compartilhou ao menos 58 vídeos sobre a “síndrome pós-spike”, acumulando mais de 7,6 milhões de visualizações.
A biomédica Beatriz Calasense de Campos, divulgadora científica na União Pró-Vacina, ligada ao Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (USP), explica que termos “pseudotécnicos”, como “spikeopatia” e “síndrome pós-spike”, podem gerar medo e insegurança. “A ideia de existir uma nova síndrome, com um novo nome, que não é reconhecida pela comunidade científica, causa no leitor o pânico de estar lidando com o desconhecido”, disse.
Segundo a pesquisadora, dar um nome a um suposto problema também facilita sua difusão no mundo virtual. “O alarmismo de uma nova síndrome é muito mais memorável, compartilhável e interativo”, afirmou. “É mais fácil comentar por mensagem sobre a ‘nova síndrome da vacina’ do que sobre a centenária história da vacinação e inúmeros estudos reprodutíveis e transparentes que demonstram sua eficiência e segurança.”
Fragilidades do estudo
A pesquisa dos médicos, intitulada em português como “Síndrome pós-spike: Solução simples levando a resultados resolutivos, relato de cinco casos”, é um tipo de estudo chamado de observacional descritivo. Isso quer dizer que a pesquisa levanta uma hipótese a partir da experiência clínica de um grupo de pessoas com uma condição ou tratamento em comum, mas que não serve para comprovar uma hipótese cientificamente.
O artigo é assinado por sete pesquisadores. Além de Zeballos, Cardoso e Paulo de Melo, também o assinam Mariely Fernanda da Silva Helbingen, Caio Roberto Salvino, Ewerton Paes Seródio e Edimilson Ramos Migowski de Carvalho.
Os cinco pacientes incluídos no estudo são mulheres que teriam sido supostamente afetadas pela “síndrome pós-spike”. Das cinco, duas não receberam qualquer dose da vacina contra a covid. Além disso, é relatado que quatro teriam tido infecção por covid-19.
O trabalho utiliza dados coletados retrospectivamente de prontuários médicos de uma clínica particular de São Paulo e descreve o quadro clínico das pacientes, que não teriam respondido a tratamentos convencionais. É apresentada uma abordagem terapêutica adotada nesse grupo, que teria resultado na melhora dos sintomas.
A publicação trata como estabelecida a existência da condição que eles propõem chamar de “síndrome pós-spike”. O termo, segundo o artigo, seria a “designação mais precisa” para se referir a um conjunto de sintomas persistentes que durariam três meses ou mais após a infecção pelo vírus SARS-CoV-2 ou após a exposição a vacinas de mRNA.
A síndrome, também chamada por eles de “spikeopatia”, seria caracterizada, de acordo com o relato, por disbiose intestinal, um desequilíbrio na microbiota intestinal (microorganismos como bactérias e fungos que vivem no intestino). Outros sintomas incluiriam inflamação sistêmica, confusão mental, problemas nos nervos, queda de cabelo, problemas de memória, distúrbios do sono e reativação de doenças preexistentes, entre outros.
A Agência Europeia de Medicamentos (EMA, sigla em inglês) disse, em nota enviada ao Verifica, que a pesquisa dos médicos brasileiros é de “escala muito pequena” e tem valor científico limitado, “visto que a maioria das suposições feitas pelos autores não se baseia em uma metodologia robusta ou em uma justificativa científica clara”. A agência destacou que o conceito de síndrome pós-spike “não é reconhecido pela comunidade científica”.
A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) deu uma explicação no mesmo sentido. Segundo o órgão, os conceitos de “síndrome pós-spike” ou “spikeopatia” não têm ampla aceitação e validação devido à falta de evidências robustas e consenso sobre a existência de mecanismos patológicos. “Embora alguns estudos recentes explorem essas condições, estas não são reconhecidas oficialmente por organizações como a Organização Mundial da Saúde (OMS), ou Autoridades Sanitárias Reguladoras como FDA e EMA”, disse a Anvisa.
Sobre as limitações do estudo, a Anvisa destacou o número “muito reduzido” de pacientes e ausência de um grupo controle – conjunto de indivíduos que não recebeu o tratamento para ser usado como comparação –, o que “impede conclusões confiáveis”, além de não abordar potenciais fatores de confusão. A não menção a essas limitações, segundo a Anvisa, compromete a confiabilidade das conclusões e traz preocupações quanto ao rigor científico. “Não há como afirmar, portanto, que qualquer resultado relatado seja consequência das intervenções do estudo”, acrescentou o órgão.
Também procurada, a Therapeutic Goods Administration (TGA) – agência australiana semelhante à Anvisa e à EMA – disse que não há evidências confiáveis ou convincentes da existência de uma síndrome pós-vacinação de longo prazo atrelada à imunização contra a covid. “Não há uma definição aceita disso como uma entidade clínica na Austrália ou internacionalmente”, acrescentou a TGA.
Estudo não indica causalidade nem comprova sucesso do tratamento, dizem especialistas
O estudo não serve para definir um protocolo de tratamento, segundo os especialistas em imunologia Nathália Pereira da Silva Leite e Helton Santiago, membros do Centro Nacional de Vacinas (CT-Vacinas), um grupo de pesquisadores em desenvolvimento de vacinas ligados à Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
Segundo os pesquisadores, o artigo seria classificado em um nível 5 – em uma escala que vai de 1 a 5 –, o mais baixo em relação à força da evidência científica. Essa classificação é caracterizada pela opinião de especialistas com base em observação. “É uma série de cinco casos que descreve uma hipótese e relata melhora após um protocolo terapêutico, mas isso não prova causalidade nem estabelece a síndrome como um fato aceito pela comunidade científica”, afirmaram, em resposta ao Verifica.
O cientista biomédico Lucas Antonio Duarte Nicolau, professor da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Delta do Parnaíba (UFDPar) e pesquisador sobre a ação da spike no intestino após a infecção por covid, concorda que o artigo dos médicos brasileiros tem baixa evidência científica. “Embora observações clínicas devam sempre ser levadas em conta como geradoras de hipóteses, elas não constituem evidência robusta para inferir causalidade”, disse.
Nicolau aponta outras falhas do estudo, como o fato de que não se definiram grupos de controle (que não recebem o tratamento estudado). Além disso, não se comprovou a presença da proteína spike nas pacientes, seja de origem vacinal ou por infecção pela covid. Ele ressalta ainda que o estudo foi publicado em uma revista que documenta eventos raros ou pontuais.
A nota de retratação do estudo aponta que, para se estabelecer uma relação de causalidade entre a síndrome descrita e as vacinas – a premissa do artigo para a sugestão do protocolo de tratamento –, são necessários estudos mais amplos, que vão além de um relato de caso descritivo, como o realizado pelos autores. “Estabelecer causalidade e avaliar a segurança e a eficácia exigem estudos abrangentes e ensaios clínicos — investigações que vão além do escopo e do propósito de um relato de caso descritivo”, informou a editora.
A avaliação de que o estudo não tem base científica sólida é compartilhada por Cláudia Figueiredo, neurocientista do Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Segundo ela, a revista IDCases tem fator de impacto considerado baixo.
O parâmetro é usado para qualificar revistas científicas com base na média de citações que os artigos recebem. No Journal Citation Reports (JCR), ferramenta utilizada para avaliar periódicos científicos, a revista registra um fator de impacto em torno de 1, o que significa que, em média, os artigos deste periódico são citados apenas uma vez ao ano.
Apesar do escopo limitado do estudo – cinco casos apenas – os médicos alegam que, desde a implementação da abordagem terapêutica em janeiro de 2023, eles trataram “com sucesso” mais de 400 pacientes da “síndrome pós-spike”. Esse é outro problema do estudo, de acordo com Nathália e Santiago, da UFMG. “Além do número amostral ser pequeno e pouco representativo da população geral, pode haver viés de seleção, ou seja, só os casos que melhoraram ou que tiveram interesse em tratamento apareceram”, disseram os pesquisadores.
Outro fator que pode confundir o entendimento do estudo é o uso de vários tratamentos ao mesmo tempo: antibiótico, probióticos, ivermectina e nattokinase. “Quando há melhora, não é possível saber se algum componente, ou qual, foi efetivo, ou se houve melhora espontânea ou efeito placebo [melhora de sintomas causada por um tratamento sem ação real]”, resumiram Nathália e Santiago. Os dois ressaltam que não há indicação de uso da ivermectina para tratar condições relacionadas à covid, pois várias revisões e estudos robustos “não mostraram benefício consistente, com a força de evidência necessária”. Agências de saúde desencorajam o uso do medicamento fora de estudos.
Também não há evidência científica para justificar o uso de outro medicamento proposto pelos médicos, a nattokinase. “Para nattokinase existe alguma evidência preliminar de atividade fibrinolítica [degradação de coágulos] e estudos pequenos que sugerem efeitos cardiovasculares ou fibrinolíticos, mas a evidência clínica para tratar uma possível ‘spikeopatia’ é incompleta e preliminar”, complementaram.
Um outro aspecto importante citado pelos especialistas da UFMG é que a maioria dos pacientes avaliados teve infecção pelo vírus SARS-CoV-2. Além disso, outras doenças concomitantes, tratamentos prévios ou fatores psicológicos e ambientais podem explicar os sintomas inespecíficos, como fadiga, alterações intestinais e alopecia (queda de cabelo).
Protocolo é recomendado na internet
Mesmo sem comprovação científica, o protocolo que consta no artigo vem sendo recomendado nas redes sociais. Em um vídeo no Instagram em que Zeballos fala que a “spikeopatia”pode ser a explicação para casos de morte súbita em jovens, um homem comenta: “Onde está o protocolo que devemos tomar?”. O médico responde: “No estudo! Precisa ser orientado por um médico! O resultado é espetacular!”
Em uma outra postagem, Zeballos diz que a “spikeopatia” está relacionada ao aumento do número de mortes no mundo por todas as causas e à explosão de casos de câncer, doenças cardiovasculares e trombose. Ele usa o termo “picadinha” para se referir às vacinas de mRNA que, segundo diz no post, provocariam a produção de spike em altas quantidades, causando a “spikeopatia”. Na legenda do vídeo, ele faz referência ao estudo publicado na IDCases e afirma: “Existe tratamento com o nosso protocolo que quero disseminar o quanto antes”.
Nos comentários, uma pessoa reproduz o protocolo retirado do estudo com a alegação de que ele destruiria “a proteína spike que fica no intestino das pessoas vacinadas com a vacina de mRNA (vacinas contra covid) e fica também no intestino dos que não se vacinaram mas tiveram covid". Em resposta ao comentário, Zeballos escreve: “Esse mesmo, mas faça o tratamento sempre com uma supervisão médica!”.
Além da replicação do protocolo entre os seguidores do médico, que o endossa nas interações, o Verifica encontrou parte do tratamento sendo vendido em formato de suplementos alimentares na internet. Os produtos são indicados para indivíduos que “enfrentam a condição de síndrome pós-spike” e prometem a eliminação da proteína do organismo com a combinação de enzimas e ativos citados no estudo dos médicos.
As cápsulas são vendidas entre R$ 160 a R$ 180. Em comentários no site de vendas, usuários questionam se o produto pode ser combinado com ivermectina, citando que “Zeballos faz essa associação para melhor eficácia”. A página afirma que “não há contraindicação de usar os dois em conjunto, mas não fazemos indicação sobre essa questão”. A reportagem confirmou que os suplementos são baseados no estudo publicado pelo médico. “Temos muita admiração pelo trabalho dele (Zeballos)”, disse o responsável pelo suplemento em interação pelo WhatsApp disponibilizado no site de vendas. “Estudamos o que ele recomenda e criamos esse composto”.
Médicos faturam com síndrome e tratamento sem comprovação
Apesar de a análise de casos publicada pelos médicos citar que “mais estudos são necessários para confirmar esses achados e ampliar nossa compreensão do manejo da síndrome pós-spike”, eles vendem consultas particulares para tratar os supostos sintomas relacionados à vacina e cursos que prometem revelar a “verdade” sobre os imunizantes.
Zeballos divulga nas redes sociais um site com aulas sobre a “síndrome pós-spike” e o protocolo que desenvolveu por R$ 247 à vista, afirmando que ele é uma referência mundial de combate à covid-19. Zeballos diz que o curso é direcionado para pessoas que “não tem condição de pagar uma consulta”.
O Verifica apurou que o atendimento particular, em maio, custava R$ 3.230, com possibilidade, inclusive, de realização de “detox vacinal”. A agenda disponível era para cinco meses depois.
Francisco Cardoso também vende um curso que revelaria a “verdade” sobre os imunizantes. No valor de R$ 497 à vista, ele indica uma série de aulas na chamada “Jornada de Segurança na Imunização”. De acordo com o site do médico, ele explica quais vacinas são ou não seguras porque “seus filhos ou alguém da sua família serão picados e terão efeitos colaterais severos para o resto da vida”.
Ainda no site, é dito que o material do curso só pode ser divulgado em um local fechado, pois, se fosse liberado nas redes sociais, “todo o conteúdo e o trabalho do Dr. Francisco seria banido, censurado e sofreria cancelamento”. O site diz que, “devido a necessidade de propagar este conteúdo, o curso será oferecido a preço de custo”.
Uma consulta particular com Cardoso para a realização do tratamento pós-covid custava R$ 1.690 em julho.
Paulo Porto de Melo também tem um curso online, chamado “Medicina Sem Censura”, no valor de R$ 685 à vista. A plataforma pretende revelar a “verdade oculta” que estaria sendo escondida pela indústria farmacêutica e pela mídia.
A descrição do curso fala em “uma comunidade oculta para revelar todas as verdades que eles não querem que você saiba” em “análises e conteúdos que não podem ser postados nas redes sociais”. Um dos módulos é intitulado “reunião secreta - arquivos sigilosos da vacinação”.
Já as consultas particulares com Melo ficam no valor de R$ 1.520. Em mensagem enviada pelo Verifica ao consultório, foi confirmada a existência de um tratamento para se “desintoxicar da proteína spike”.
O Código de Ética Médica define, no artigo 113, que não é permitido que seja “divulgado, fora do meio científico, processo de tratamento ou descoberta cujo valor científico ainda não esteja expressamente reconhecido cientificamente por órgão competente”. Ainda é proibido que informação sobre assunto médico seja divulgada de forma “sensacionalista, promocional ou de conteúdo inverídico”.
Médicos desestimulam vacinação em pronunciamentos e vídeos
A Comissão de Saúde sobre vacinas da covid-19 da Câmara dos Deputados recebeu Zeballos e Cardoso para uma audiência pública, no dia 26 de agosto, que discutiu a obrigatoriedade da vacina contra a covid em crianças. Eles defenderam a existência da “spikeopatia” e afirmaram que, além da infecção pela covid, as vacinas de mRNA produzem uma “usina de toxina” no corpo humano devido à proteína spike.
“Gente, como é que podia dar certo um produto [vacina] que entra no seu organismo, se espalha por todas as células e produz a spike”, disse Zeballos na audiência. “Isso me emociona, porque é um dos maiores crimes que aconteceram na humanidade. Eu falo aqui no ministério, falo na audiência, nós nunca vimos uma proteína tão agressiva quanto essa”.
Cardoso, com 480 mil seguidores no Instagram, usa sua conta para desestimular a vacinação, defendendo que não há provas de que imunizantes contra a covid possam diminuir óbitos ou evitar complicações pela doença. Vídeos sobre a “síndrome pós-spike” ultrapassam 1 milhão de visualizações no perfil do médico.
Em um trecho de participação em um podcast, que somou mais de 390 mil visualizações, o infectologista diz que a proteína spike, induzida pelas vacinas de mRNA, é uma toxina que agrava os sintomas “pós-covid”.
“A gente viu que, ao contrário do que a ciência fala, o imunizante pode gerar e agravar um pós-covid. A ômicron é especialista nisso. Ela não ataca o pulmão, mas deixa a pessoa arrasada no fim do tratamento e, em muitos casos, ela evolui com o pós-covid”, disse.
Outro autor do estudo sobre a “spikeopatia”, o neurologista Porto de Melo tem 517 mil seguidores no Instagram e compartilha conteúdos que descredibilizam a vacinação. As postagens sobre a spike somam 77,5 mil visualizações no perfil.
Em um vídeo visto mais de 11 mil vezes, ele responde a um seguidor que “a proteína spike advém tanto do vírus selvagem, que origina a doença, quanto das vacinas de RNA mensageiro”.
“Por isso que a gente orienta o paciente, após um período de ter tido a doença ou de ter sido vacinado, a fazer um bom check-up com um médico de sua confiança”, disse.
As afirmações dos médicos contra as vacinas vão de encontro ao que diz a Organização Mundial da Saúde (OMS). Em nota ao Verifica, a entidade comunicou que as vacinas de mRNA salvaram milhões de vidas e desempenharam um papel vital na resposta global à covid-19.
A afirmação apoia-se em evidências científicas. Em setembro de 2024, a revista The Lancet publicou um estudo estimando que, entre dezembro de 2020 e março de 2023, as vacinas contra a covid salvaram 1,6 milhão de vidas na Europa. Um outro, publicado na Jama, estimou que a vacinação evitou 2,5 milhões de mortes no mundo entre 2020 e 2024.
Os três médicos espalharam desinformação durante e após a pandemia de covid-19. Zeballos já foi checado pelo Verifica e pelo Projeto Comprova em onze publicações. Cardoso também foi alvo de verificações em seis ocasiões, enquanto Porto de Melo em cinco. Na maior parte das vezes, os médicos desaconselharam a vacinação usando informações enganosas (aqui, aqui e aqui, por exemplo).
O que dizem os autores
Na resposta enviada ao Verifica, Cardoso disse que o estudo publicado na IDCases é um relato de caso, e que esse tipo publicação não tem a função de comprovar causalidade, validar protocolos, nem demonstrar eficácia terapêutica. “A única exigência metodológica para esse formato é que o relato seja verdadeiro, documentado e clinicamente observável — o que foi cumprido integralmente”, disse.
O infectologista atribuiu a retratação do estudo ao que chamou de “crescente politização da ciência”. Segundo ele, “o problema não é o artigo — é o tema que ele aborda”.
Em outro trecho da resposta, ele complementa:
“Existe, por parte de alguns setores, a tentativa de sustentar que as vacinas de covid são a única intervenção médica da história sem qualquer possibilidade de efeito adverso relevante. Essa postura não é científica, é ideológica”.
Já sobre uma suposta síndrome ligada à vacina, Zeballos afirmou que quem diz que não há evidência “precisa estudar mais”.
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