Em alguns anos, medicamentos para diabetes e perda de peso como Ozempic, Wegovy e Mounjaro conquistaram o mundo. Nos Estados Unidos, 1 em cada 8 adultos diz ter experimentado um deles, e esse número certamente aumentará conforme os preços caírem e novas versões chegarem ao mercado.
Cães e gatos podem ser os próximos a serem beneficiados por essas drogas.
Nesta terça (2), a Okava Pharmaceuticals, com sede em São Francisco (EUA), deve anunciar que iniciou oficialmente um estudo-piloto de um medicamento GLP-1 para gatos com obesidade.
A empresa biofarmacêutica está testando uma abordagem inovadora: em vez de receberem injeções semanais dos medicamentos, como tem sido comum em pacientes humanos, os gatos receberão pequenos implantes injetáveis, um pouco maiores que um microchip, que liberarão lentamente o medicamento por até seis meses.
"Você insere essa cápsula sob a pele e, seis meses depois, o gato perdeu peso", disse o veterinário Chen Gilor, da Universidade da Flórida, que está liderando o estudo. "É como mágica."
Os resultados são esperados para o ano que vem. Se forem promissores, poderão representar a próxima fronteira para uma classe de medicamentos que revolucionou a medicina humana e uma opção de tratamento potencialmente transformadora para milhões de pets.
Alguns veterinários já começaram a administrar medicamentos GLP-1 humanos, de forma não aprovada, para gatos diabéticos, e a Okava não é a única empresa desenvolvendo um produto especificamente para animais de estimação.
"Eu acho que isso vai ser a próxima grande novidade," afirmou o veterinário Ernie Ward, fundador da Associação para Prevenção da Obesidade em Animais de Estimação, uma entidade americana. Os veterinários, ele acrescentou, estão "à beira de uma era completamente nova na medicina da obesidade".
Ward aconselhou informalmente a Okava e outras empresas interessadas em desenvolver medicamentos GLP-1 para animais de estimação, mas, segundo ele, não mantém vínculos financeiros com nenhuma delas.
Ainda assim, o sucesso dos medicamentos GLP-1 na medicina veterinária está longe de ser garantido. Grandes ensaios clínicos ainda são necessários, de acordo com os especialistas. Além disso, não está claro se os medicamentos serão acessíveis, ou mesmo atraentes, para os tutores de animais de estimação.
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Para "muitas pessoas, a principal forma de interagir e demonstrar amor aos seus animais de estimação frequentemente gira em torno da comida", disse a nutricionista veterinária Maryanne Murphy, da Universidade do Tennessee.
Os tutores pagarão por um medicamento que faz seus animais comerem menos?
Medicamento blockbuster
Estimativas recentes sugerem que cerca de 60% dos gatos e cães nos EUA sofrem de obesidade; centenas de milhares de gatos e cães têm diabetes, segundo Gilor. Melhores tratamentos são desesperadamente necessários, de acordo com os especialistas.
Pets diabéticos geralmente precisam de injeções de insulina duas vezes diariamente. É um plano de tratamento caro e trabalhoso, e muitos animais são eutanasiados dentro de um ano após o diagnóstico, segundo Gilor. "O diabetes é tecnicamente tratável", disse ele. "Mas estamos fazendo um trabalho ruim no tratamento."
Quanto à obesidade, que pode aumentar substancialmente o risco de diabetes, sobretudo em gatos, simplesmente enfatizar dieta e exercícios não funcionou muito melhor para animais de estimação do que para pessoas. "Não conseguimos mudar esse cenário", afirmou Ward.
Os medicamentos GLP-1 são projetados para imitar um hormônio chamado peptídeo semelhante ao glucagon-1, que estimula a produção de insulina, retarda a digestão e promove uma sensação de saciedade. Alguns pequenos estudos sugerem que os medicamentos podem ter benefícios semelhantes para animais de estimação e pessoas.
Cientistas descobriram, por exemplo, que alguns medicamentos humanos de GLP-1 também podem reduzir o apetite, melhorar o controle da glicose e levar à perda de peso em gatos e cães. (Eles também podem causar efeitos colaterais conhecidos, como vômitos.)
"Eu vejo benefícios claros", disse o fisiologista veterinário Thomas Lutz, da Universidade de Zurique (Suíça), que estudou medicamentos GLP-1. "O que está faltando são estudos clínicos em maior escala."
Ainda assim, os resultados têm sido promissores o suficiente para que alguns veterinários comecem a usar medicamentos humanos de GLP-1 de forma "off-label". O endocrinologista veterinário Andrew Bugbee, da Texas A&M, disse que usa esses medicamentos "algumas vezes por ano" em gatos diabéticos.
Mas, como não existem formulações específicas para uso veterinário, os tutores pagam o mesmo preço que os pacientes humanos. E os medicamentos existentes não parecem funcionar bem o suficiente para substituir completamente a insulina em gatos diabéticos, especialmente naqueles cuja doença está avançada, segundo Bugbee.
Ainda de acordo com ele, focar o tratamento de animais pré-diabéticos com obesidade pode se mostrar uma abordagem mais eficaz, especialmente se as empresas conseguirem desenvolver produtos específicos para pets que sejam mais baratos e mais fáceis de administrar pelos tutores.
Desafio número 1
A Okava está tentando criar exatamente isso. "É nossa convicção que a condição de obesidade, a condição de estar acima do peso, é de longe o desafio preventivo de saúde número um mais significativo em toda a medicina veterinária", disse Michael Klotsman, fundador e CEO da empresa.
Ciente de que uma injeção semanal seria difícil de vender para muitos tutores de pets, a Okava fez parceria com a Vivani Medical, uma empresa biofarmacêutica que desenvolveu pequenos implantes subcutâneos que poderiam ser preenchidos com um suprimento de vários meses de um medicamento GLP-1.
O produto da Okava, que contém um medicamento chamado exenatida, pareceu levar à perda de peso em gatos saudáveis em um estudo.
Agora, a empresa está testando os implantes em gatos com obesidade, em um estudo maior controlado por placebo. A Okava espera recrutar pelo menos 50 animais, dois terços dos quais receberão o medicamento. Os pesquisadores acompanharão inicialmente os bichanos por três meses; os tutores poderão então optar por uma extensão de três meses.
Se os resultados forem promissores, Klotsman disse que a Okava planeja lançar um ensaio clínico maior no ano que vem e solicitar aprovação da FDA (agência que regulamenta e fiscaliza alimentos e remédios nos EUA) nos próximos 18 a 24 meses.
A solicitação inicial da Okava à FDA se concentrará na obesidade felina, mas a empresa também planeja estudar a eficácia do medicamento em cães e para uma variedade de outras condições, incluindo diabetes e doença renal crônica. Klotsman disse que espera que a empresa possa até posicionar o produto como um medicamento para longevidade.
Apetite do consumidor
Para ter sucesso no mercado veterinário, os desenvolvedores também precisarão abordar alguns dos desafios práticos que têm sido associados aos medicamentos GLP-1, na avaliação de Bethany Cummings, que estuda GLP-1 na Universidade da Califórnia, Davis. Um dos maiores desafios, segundo ela, é "como torná-lo financeiramente viável".
A Okava está buscando manter o preço de seu produto em ou abaixo de US$ 100 por mês (R$ 535), de acordo com Klotsman, destacando que algumas pessoas pagam mais do que isso por ração premium para cães. "Acreditamos que o mercado existe", afirmou.
Além disso, o diabetes por si só é caro de tratar, segundo Gilor. Se os medicamentos GLP-1 puderem prevenir a condição, ou levar alguns animais de estimação diabéticos à remissão, eles poderiam economizar dinheiro para alguns tutores de pets.
Ainda assim, um medicamento que custaria US$ 100 por mês estará fora do alcance de muitos donos de animais de estimação, e mesmo aqueles que poderiam pagar por ele não necessariamente vão correr para obtê-lo.
Murphy disse acreditar que os medicamentos GLP-1 têm potencial real na medicina veterinária, mas como um complemento aos planos tradicionais de controle de peso, e não como substituto. "Eu acho que não seria uma solução simples, rápida e fácil, em que você apenas administra o medicamento e não precisa se preocupar com mais nada."
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