A mesma linha de produção de Hortolândia (SP) que colocou no varejo brasileiro centenas de milhares de canetas de liraglutida em 2025 agora mira as drugstores dos Estados Unidos. A farmacêutica EMS quer transformar um bom desempenho doméstico em passaporte para o mercado mais disputado (e mais valioso) dos medicamentos para obesidade e diabetes.
O plano, segundo dados divulgados, é iniciar as vendas no segundo semestre de 2026, por meio do licenciamento com uma farmacêutica local, após a autorização da Food and Drug Administration (FDA), agência reguladora de medicamentos dos Estados Unidos. O pedido de registro foi protocolado em outubro de 2023 e a expectativa da empresa é ter a aprovação no segundo trimestre de 2026.
Na prática, a estratégia coloca duas marcas brasileiras (Olire, indicada para obesidade, e Lirux, para diabetes) diante de um teste que vai muito além de preço: maturidade regulatória, capacidade fabril, confiabilidade logística e leitura correta de um mercado que já tem gigantes, genéricos e uma vigilância sanitária especialmente agressiva quando o assunto é GLP-1.
A EMS trabalha com metas ambiciosas: 500 mil unidades no fim do primeiro ano de operação nos EUA e 1 milhão de canetas em 12 meses. A empresa afirma que não usará os mesmos nomes no mercado americano e que ainda não definiu a marca comercial no país.
Da janela de patente ao ringue dos genéricos
O caso da liraglutida tem um diferencial que ajuda a explicar o timing: a patente do princípio ativo já expirou nos Estados Unidos, o que abriu espaço para genéricos do Saxenda e do Victoza, ambos da Novo Nordisk.
Só que entrar depois da porta aberta é diferente de ser o primeiro a atravessar. Nos EUA, a concorrência já está organizada: a Hikma anunciou aprovação e lançamento do genérico de Victoza (liraglutida) no fim de 2024, e o próprio FDA comunicou, no mesmo período, a aprovação do primeiro genérico de liraglutida com referência ao Victoza.
Do lado do uso em obesidade, a Teva divulgou, em 2025, aprovação e lançamento do genérico do Saxenda (liraglutida), destacando-o como o primeiro genérico de GLP-1 com indicação para perda de peso.
Isso significa que a EMS não está criando um mercado: está tentando conquistar espaço em um tabuleiro no qual as peças já se mexem, com incumbentes e competidores que conhecem o ecossistema de reembolso, contratos e canais norte-americanos.
Preço ajuda, mas não resolve o jogo
Segundo o vice-presidente da EMS, Marcus Sanchez, a empresa pretende posicionar seu produto cerca de 30% abaixo do preço do medicamento de referência, citado como em torno de US$ 500. Esse discurso é coerente com a lógica dos genéricos, mas não elimina dois problemas centrais: acesso (cobertura) e escala (disponibilidade contínua), de acordo com a NeoFeed.
A própria dinâmica recente do mercado americano de GLP-1 mostra como acesso não é sinônimo de ter produto: durante o período de escassez de semaglutida e tirzepatida, explodiu a oferta de versões manipuladas; com a normalização do abastecimento, o FDA apertou o cerco e reiterou preocupações com GLP-1 não aprovados e com a continuidade de compounding fora das regras. Para quem pretende operar formalmente, isso tem um efeito duplo: diminui concorrência irregular, mas eleva o escrutínio sobre qualidade e rastreabilidade, de acordo com informações do FDA.
Nesse ambiente, um desconto agressivo pode ser condição de entrada, mas não a garantia de permanência.
O desempenho no Brasil como laboratório de escala
No Brasil, a demanda superou a previsão inicial: a empresa encerra 2025 com 400 mil canetas no mercado e projeta receita de cerca de R$ 150 milhões nos primeiros 12 meses de vendas, acima do plano original.
Para sustentar a agenda de crescimento, a EMS informa investimentos de grande porte em Hortolândia, com capacidade anual que poderia chegar a 12 milhões de canetas até 2027, a depender da instalação de novos equipamentos.
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Esses números interessam diretamente ao farmacêutico industrial por um motivo simples: em GLP-1, a vantagem competitiva não é apenas ter registro. É dominar a cadeia inteira: do IFA à montagem do dispositivo, passando por validação, controle de partículas, estabilidade, cadeia fria quando aplicável, integridade de embalagem, serialização e farmacovigilância. Quanto mais o produto vira commodity, mais o processo vira diferencial.
O mercado bilionário existe, mas não é homogêneo
A reportagem também cita estimativas de mercado que ajudam a dimensionar porque os Estados Unidos são o alvo óbvio. No Brasil, análise do BTG Pactual baseada em discussões com a IQVIA indica que os GLP-1 já movimentam algo como R$ 6–7 bilhões em receita anual, com projeção de R$ 8–9 bilhões em 2026, segundo a BTG Content.
O problema, porém, é achar que crescimento é igual para todas as moléculas. Liraglutida é um GLP-1 mais antigo (uso diário), enquanto o mercado premium caminha forte com opções semanais e com moléculas de maior perda ponderal em ensaios clínicos. Isso afeta percepção médica, adesão do paciente e disposição de pagadores. O desafio da EMS será vender volume de um produto que tende a competir por custo/benefício, não por melhor resultado absoluto.
No Brasil, essa transição também é visível: a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) publicou, em junho de 2025, a inclusão de nova indicação terapêutica para Mounjaro (tirzepatida), voltada ao controle crônico do peso em condições específicas, reforçando que a disputa não será só entre marcas, mas entre classes e esquemas terapêuticos.
O que realmente está em jogo para a indústria brasileira
A entrada de uma farmacêutica brasileira no mercado americano de GLP-1, mesmo via licenciamento, é um marco mais industrial do que comercial. O subtexto é: o parque fabril brasileiro consegue cumprir, de forma rotineira, os padrões de qualidade, consistência e compliance exigidos pelo FDA, e sustentar isso em escala.
Se a EMS acertar, abre precedente para outros projetos (inclusive futuros GLP-1 pós-patente, como semaglutida), com impacto potencial em capacidade exportadora, atração de parceiros e exigência interna por sistemas de qualidade mais robustos. Se errar, o recado também será claro: em mercados maduros em termos regulatórios, falha operacional custa mais do que uma campanha de marketing pode resolver.
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