O autocuidado versus o autodiagnostico e a automedicação

O tema é tão relevante que até ganhou uma data específica para ser lembrado: 24 de julho é quando se comemora o Dia Internacional do Autocuidado, uma prática estimulada pela Organização Mundial de Saúde (OMS), cujo lema é “Cuidar da sua saúde 24 horas por dia, sete dias por semana”.

Por aqui, no Congresso Nacional, tramita em fase avançada o Projeto de Lei (PL) nº 9.714/2018, de autoria do médico e deputado Federal Odorico Monteiro (PSB/CE). A proposta tem como objetivo tornar o autocuidado uma política nacional de saúde pública e oficializar o Dia Nacional do Autocuidado, data que já é celebrada em países como Austrália, Canadá e Reino Unido.

De acordo com a OMS, os pilares do autocuidado são conhecimento e informação em saúde; bem-estar mental e autoconsciência; alimentação saudável; consciência sobre atitudes de risco, como fumar e consumir álcool de forma excessiva; boa higiene; e uso racional de produtos e serviços de saúde, inclusive os medicamentos isentos de prescrição.

 “Os benefícios do autocuidado são bem documentados. Na verdade, os estudos mostram que 80% das doenças do coração, acidente vascular cerebral e diabetes, além de um terço dos cânceres, poderiam ser evitados se o autocuidado fosse uma prática adotada pelos países como parte de uma política pública de saúde”, defende o deputado na apresentação do PL.

Segundo a farmacêutica, gerontologista e especialista em Farmácia Clínica, Ana Lucia Caldas, o autocuidado foi citado pela primeira vez na área da Enfermagem, em 1958, pela enfermeira Dorothea Elizabeth Orem, que, após reflexões, desenvolveu a Teoria do Déficit de Autocuidado. Essa teoria aponta a relação entre a necessidade terapêutica do autocuidado e as ações adequadas para que ele seja desenvolvido frente ao complexo processo de saúde e doença. A partir dessa definição, o autocuidado pode ser entendido como uma atividade em que o indivíduo aprende e desenvolve, para seu próprio benefício, a saúde e o bem-estar.

De acordo com a vice-presidente Executiva da Associação Brasileira de Medicamentos Isentos de Prescrição (Abimip), Marli Sileci, o conceito é amplo e envolve questões fundamentais como higiene (geral e pessoal), nutrição (variedade e qualidade dos alimentos ingeridos), estilo de vida (atividades esportivas, lazer etc.), fatores ambientais (condições de moradia, hábitos sociais etc.) e socioeconômicos (nível de renda, crenças culturais etc.), além do uso responsável de medicamentos isentos de prescrição médica (MIPs).

Para o coordenador da Cardiologia do Hospital Albert Sabin, Luciano Sergio Trindade, não se deve ter uma visão tão simplista do autocuidado, como somente fazer exames preventivos. “É preciso repensar o estilo de vida, assumindo hábitos saudáveis em relação à alimentação, à atividade física, ao lazer e diminuindo o estresse do dia a dia. Essas mudanças irão impactar na melhoria do organismo como um todo”, acrescenta o especialista.

Conhecimento sobre o tema tem crescido entre a população

Entre os profissionais de saúde, o conceito já está consolidado, mas grande parte da população tem uma noção superficial. “Para o entendimento do autocuidado, é necessário perceber que o centro de qualquer mudança nos hábitos de vida e na saúde como um todo está dentro de cada um. Nem sempre as pessoas percebem sua própria situação ou conseguem identificar o que precisam para se sentir bem”, explica a farmacêutica Ana Lucia.

Na opinião de Marli, da Abimip, “felizmente, muitas pessoas já se preocupam em ter mais qualidade de vida e acabam adotando comportamentos e atitudes que envolvem o conceito de autocuidado. A Abimip está trabalhando com esse conceito, no Brasil, faz algum tempo e percebemos que o consumidor está apresentando mais maturidade em relação à própria saúde e bem-estar”, completa.

O cardiologista do Albert Sabin ressalta uma questão importante: o nível socioeconômico não necessariamente interfere nas práticas de autocuidado. “As pessoas com nível econômico mais alto, com salários melhores, em geral, têm informação sobre o tema, o que não quer dizer que pratiquem o autocuidado no dia a dia. Por outro lado, a população de baixa renda, por falta de acesso à informação e à orientação médica, tem mais dificuldade com isso, indicando que o Brasil precisa de uma política ostensiva de educação em saúde”, frisa Trindade.

Corrobora essa afirmação o cardiologista intervencionista da Sociedade Brasileira de Hemodinâmica e Cardiologia Intervencionista (SBHCI), Cesar Medeiros. “Costumamos achar que um paciente de baixa renda é mais difícil de tratar. Nem sempre. Muitas vezes, ele pode não ter acesso ao medicamento pelo SUS, mas pessoas de alta renda também podem ter o autocuidado comprometido, seja por esquecimento, seja por atribuições do dia a dia. Tomar a medicação conforme prescrição do médico parece simples, mas é, muitas vezes, uma atitude negligenciada”, avalia o médico.

“Percebo que muitos pacientes precisam de educação e orientações em relação aos problemas de saúde, bem como constante motivação para a prática do autocuidado de forma responsável. Olhar para si não é algo tão difícil, mas talvez faltem mais conhecimento e orientações adequadas para escolhas de ações mais assertivas, relacionadas à saúde de cada indivíduo”, complementa a farmacêutica Ana Lucia.

Para Marli, da Abimip, mesmo sabendo sobre a importância de ter uma rotina saudável, é muito difícil mudar e manter novos hábitos. “Assim, é importante realizar campanhas de conscientização e estímulo, para que o autocuidado seja incorporado no nosso dia a dia. Vários países já utilizam o autocuidado para desenvolver políticas públicas, que incentivam um estilo de vida mais saudável e com foco na qualidade de vida.”

Autodiagnóstico não é autocuidado

Levante a mão quem nunca recorreu ao “Dr. Google” para pesquisar sobre algumas dores e sintomas que insistem em permanecer! Com o advento da internet e da maior enciclopédia do mundo, as pessoas estão se tornando especialistas em várias doenças.

De acordo com uma pesquisa realizada pelo ICTQ em 16 capitais brasileiras com 2.340 indivíduos, 40% das pessoas que fazem também autoconsumo de medicamentos têm o hábito de se autodiagnosticarem pela internet, consultando o Google. Entre as capitais pesquisadas, Brasília é a primeira do ranking (66%), seguida de Vitória e Salvador (59%), Natal (55%) e João Pessoa (53%).

A falta de acesso à consulta médica está no topo de razões pelas quais as pessoas recorrem à internet. Dos entrevistados, 41% afirmam que as emergências são superlotadas, 17%, que a consulta é muito cara e 7%, que o médico é inacessível.

“Os riscos de práticas como essa são altíssimos. Atualmente, os conselhos de vizinhos e amigos para alívio de algum sintoma desagradável foram substituídos por consultas à internet, e não é difícil ver um paciente sugerir possíveis diagnósticos ou questionar o uso de medicamentos para determinado sintoma apresentado. Por mais simples que seja um sintoma, ele pode representar um uma grave ou complexa doença”, alerta a especialista em Farmácia Clínica, Ana Lucia Caldas.

Para o cardiologista do Albert Sabin, a procura por diagnóstico para determinados sintomas na internet deve ser desencorajada por todos profissionais de saúde. Segundo ele, o paciente não tem conhecimento técnico-científico sobre a doença nem sobre os medicamentos para tratá-la, o que leva a erros de interpretação e preocupações desnecessárias. De mesma forma que pode ser algo grave, pode ser um problema bem mais simples do que aquele apresentado pelo “Dr. Google”.

Uso de MIPs faz parte do autocuidado?

No Brasil, a automedicação é compreendida de modo diferente dos demais países do mundo. Aqui o termo é confundido com autoprescrição, uma prática incorreta de compra e utilização de medicamentos tarjados sem prescrição médica. Por isso, o uso responsável dos medicamentos faz parte do autocuidado, conforme classifica a OMS.

O limite entre autocuidado e automedicação é bastante controverso. Em geral, a indústria de MIPs defendem que o consumo consciente de medicamentos livres de prescrição é benéfico para a população. Tanto que, há alguns anos, a Abimip deu início a uma campanha para esclarecer o tema e provar que a automedicação responsável é parte do autocuidado.

Esses medicamentos, segundo a Abimip, podem cumprir o papel de serem grandes aliados no tratamento de males e doenças menores, como dores de cabeça, resfriados e má digestão, além de exercerem um papel socioeconômico importante, ao desafogarem o SUS.

“Acreditamos e defendemos que o uso dos MIPs, um dos pilares do autocuidado, é parte essencial da saúde, pois permite que os indivíduos possam fazer uso de medicamentos com segurança, qualidade e eficácia comprovadas, para tratar sintomas e males menores já diagnosticados ou conhecidos”, diz a vice-presidente executiva da associação.

Artigo publicado no Jornal Brasileiro de Economia e Saúde, em 2017, de autoria de Antonio Cesar Rodrigues, intitulado “Utilização de medicamentos isentos de prescrição e economias geradas para os sistemas de saúde: uma revisão”, revelou uma potencial economia de cerca de R$ 400 milhões pelo sistema de saúde brasileiro com o uso de MIPs. Além disso, calculou o impacto do retorno do investimento. Assim, para cada R$ 1 gasto com um MIP, foram economizados até R$ 7.

“A economia calculada no estudo ocorre ao se evitar gastos desnecessários em consultas (R$ 56,1 milhões) e perda de dias trabalhados (R$ 369,2 milhões), deduzindo-se como contrapartida o custo dos MIPs para o consumidor (R$ 61,2 milhões), o que resulta numa economia de R$ 364,1 milhões”, contabiliza Rodrigues.

De acordo com a farmacêutica Ana Lucia Caldas, tomar decisões sobre a própria saúde é um direito de todo cidadão assegurado pela OMS, porém, esse autocuidado precisa estar pautado em atitudes responsáveis e orientado de forma segura por profissionais de saúde. “A automedicação, ou seja, o uso de medicamentos por conta própria, mesmo os de venda livre, sem nenhuma indicação ou orientação de médico, farmacêutico ou outro profissional de saúde capacitado, pode causar vários danos e, por isso, deve ser sempre evitada no dia a dia”, destaca.

Mas nem sempre o acesso à orientação ocorre. A tradicional caixinha doméstica de medicamentos pode trazer riscos para as pessoas. “Há pacientes que fazem uso de medicamentos porque acham que eles vão melhorar o quadro clínico deles, mas fazem isso sem nenhum conhecimento técnico sobre a doença e o produto, o que torna essa prática muito perigosa”, alerta o cardiologista do Albert Sabin. Segundo ele, atitudes assim podem desenvolver efeitos colaterais indesejados e mascarar os sintomas de uma doença mais grave.

O cardiologista da SBHCI, Cesar Medeiros, é mais categórico em relação a isso: “o uso do MIP até pode ser uma atitude de autocuidado, mas correntemente pode provocar efeitos contrários. Infelizmente, a legislação brasileira é muito frouxa, pois se consegue comprar anti-inflamatório sem prescrição médica. Medicamentos dessa classe podem provocar sangramento gastrointestinal, por exemplo. A pessoa corre o risco de desenvolver uma úlcera por conta da irritação que o medicamento provoca”, alerta Medeiros.

Outros exemplos citados pelo cardiologista foram o paracetamol, cujo consumo exagerado pode matar por hepatite medicamentosa, e a dipirona, proibida nos Estados Unidos devido ao seu potencial de toxicidade para medula óssea. “Portanto, a automedicação, inclusive de MIPs, não deveria fazer parte do autocuidado, pois qualquer medicamento necessita de orientação para ser consumido com segurança”, opina.

O papel do farmacêutico na educação em saúde

Orientar sobre o uso racional de medicamentos, inclusive MIPs, é uma prerrogativa do farmacêutico. É na farmácia que o paciente encontra informações sobre sintomas e males menores. Contribuíram com isso a legislação brasileira que determina a obrigatoriedade da presença do farmacêutico durante todo o horário de funcionamento da farmácia, a Lei Federal nº 13.021/2014, que define a farmácia como estabelecimento de saúde.

O papel do farmacêutico é exatamente o de educador. “Um educador em saúde, um motivador de hábitos de vida saudáveis e do uso racional e correto de medicamentos. A capilaridade de farmácias comunitárias proporciona ao farmacêutico uma posição privilegiada para o cuidado e a educação da população”, defende Ana Lucia.

Para a representante da Abimip, os profissionais que atuam nas farmácias têm um papel muito importante na orientação do consumidor e, consequentemente, na conscientização sobre a automedicação, que é o uso consciente dos medicamentos isentos de prescrição, e na propagação sobre o autocuidado, que é uma atitude responsável e ativa sobre a própria saúde e bem-estar.

“Esses profissionais podem contribuir muito na promoção do uso responsável dos medicamentos, orientando o consumidor sobre como consumi-los corretamente. O bom atendimento deve ser sempre a política de uma farmácia, não apenas por ser um estabelecimento ligado a atividades relacionadas à saúde, mas também pela responsabilidade na dispensação e na informação prestada sobre os medicamentos”, propõe Marli.

Para favorecer o autocuidado, os MIPs devem estar dispostos de forma prática e funcional, agrupados por patologia e com boa sinalização. Dessa maneira, a categoria traz praticidade ao autosserviço das farmácias e mais qualidade de vida para o consumidor, que deve ter preservado o seu direito de escolha e acesso livre aos medicamentos isentos de prescrição.

“No entanto, se tiver qualquer tipo de dúvida, deve recorrer à ajuda do farmacêutico, que é o profissional mais indicado para aconselhá-lo a ler a rotulagem e a bula dos medicamentos e orientá-lo quanto à forma de administração (posologia), duração do tratamento, modo de ação do medicamento, possíveis reações adversas, contraindicações e interações com outros medicamentos e/ou alimentos”, finaliza a representante da Abimip.

Autocuidado em pacientes com doenças crônicas

A diabetes e a hipertensão são doenças crônicas muito comuns, que, se não cuidadas e acompanhadas como o rigor que merecem, podem levar o paciente à morte. Para se ter uma ideia, atualmente, no Brasil, existem 12,5 milhões de pessoas com o diagnóstico de diabetes, colocando o país na quarta posição entre os dez países com maior número de indivíduos com a doença. Em relação à hipertensão arterial, acredita-se que existam mais de 30 milhões de hipertensos, dos quais apenas 10% fazem o controle adequado, segundo a Sociedade de Cardiologia do Estado de São Paulo.

Pacientes com diabetes ou hipertensão (ou ambos) precisam ser ainda mais incentivados a praticar o autocuidado. “O diabético sabe que o risco dele é maior em relação a todos os acometimentos cardiovasculares, como infarto, angina, AVC, doença vascular periférica, disfunção renal, além de problemas neurológicos e de circulação. Por isso, precisa aprender a controlar a glicose diariamente, a saber quando fez uma libação alimentar, a ajustar a dose da insulina, a cuidar dos pés – sensibilidade menor e circulação piorada podem gerar lesão que não cura: tudo isso faz parte do autocuidado”, destaca o cardiologista Medeiros.

O diagnóstico da diabetes é clínico e laboratorial. Uma vez diagnosticada a doença, é fundamental que exista acompanhamento de uma equipe multidisciplinar, e o farmacêutico deve fazer parte desse grupo. “A insulina é uma droga. A diferença entre tratamento e intoxicação é pequena. Por isso, é fundamental encaminhar o paciente para o farmacêutico, para que exista uma orientação sobre como usar, como aplicar uma insulina, como ingerir um medicamento, mesmo oral. Não é incomum pessoas entrarem em coma por hipoglicemia porque usaram doses erradas de insulina”, ressalta Medeiros.

Em geral, pacientes hipertensos costumam ter síndrome metabólica, que é um conjunto de doenças como obesidade, alterações no colesterol, triglicérides, diabetes, além da pressão alta, que elevam o risco de problemas cardiovasculares. “Esses pacientes usam muitos medicamentos. E quanto mais medicamentos, maiores as chances de se ter interação medicamentosa, principalmente em idosos.  A síndrome metabólica é causa frequente de internação, geralmente porque o paciente esqueceu de tomar uma dose ou mesmo porque teve uma interação medicamentosa, um sangramento digestivo ou a pressão arterial caiu demais. Para reduzir os efeitos da polimedicação, a atuação do farmacêutico é fundamental. A prescrição é uma prerrogativa do médico, mas saber como usar e como adequar à rotina é uma atribuição farmacêutica”, finaliza Medeiros.

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