Uma brasileira está por trás de uma das inovações médicas mais promissoras dos últimos anos. A química Lívia Schiavinato Eberlin, professora da Baylor College of Medicine, nos Estados Unidos, desenvolveu um dispositivo capaz de identificar se um tecido é saudável ou cancerígeno em apenas 10 segundos, já durante a cirurgia.
A tecnologia, batizada de MasSpec Pen, já é chamada de “caneta que detecta câncer”.
Agora, o Hospital Israelita Albert Einstein, em São Paulo, conduz o primeiro estudo clínico fora dos Estados Unidos com o equipamento, em parceria com a Thermo Fisher Scientific, multinacional responsável pelo espectrômetro de massas que viabiliza a leitura molecular do tecido.
Como funciona a tecnologia
A MasSpec Pen é uma caneta conectada a um espectrômetro de massas --um equipamento capaz de identificar as moléculas que compõem uma substância e revelar sua “assinatura química”.
Em termos simples, ele pesa e compara as moléculas do material analisado, mostrando quais estão presentes e em que proporção. É a mesma tecnologia usada em investigações forenses, no controle de qualidade de alimentos e em exames antidoping --agora adaptada para uso médico.
Durante a cirurgia, o médico encosta a ponta da caneta sobre o tecido suspeito. O dispositivo libera uma microgota de água estéril, que permanece em contato com o tecido por alguns segundos. Essa gota extrai moléculas da superfície e é aspirada para o espectrômetro, que analisa sua composição química em tempo real.
O aparelho então identifica o padrão molecular do tecido --algo como uma impressão digital biológica — e mostra na tela se ele é saudável ou cancerígeno.
“É como fazer um café: a água extrai as moléculas da amostra sólida, mas não remove o tecido. A análise é instantânea e não causa nenhum dano”, explica Lívia Eberlin.
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O contraste com o padrão atual
Em qualquer cirurgia oncológica, um dos maiores desafios é definir o limite exato do tumor --até onde o cirurgião deve cortar.
O objetivo é remover completamente o tecido doente, evitando deixar células cancerígenas para trás, mas sem retirar mais do que o necessário de tecido saudável, o que pode comprometer órgãos e funções do corpo.
Esse tecido, em termos simples, é o conjunto de células que forma uma parte do corpo --como um fragmento do pulmão, da tireóide, do fígado ou da mama.
Quando há um tumor, as células cancerígenas se infiltram nesses tecidos e podem invadir áreas vizinhas. Por isso, o médico precisa saber onde termina o câncer e onde começa o tecido saudável --a chamada margem de segurança cirúrgica.
Hoje, para responder a essa pergunta durante a cirurgia, os hospitais utilizam o chamado exame de congelação, considerado o padrão-ouro da patologia.
Nesse procedimento, o cirurgião remove um pequeno pedaço do tecido suspeito e o envia para o laboratório, onde o material é congelado, cortado em lâminas finas e analisado ao microscópio.
O processo pode levar de 20 minutos a 1h30, tempo em que o paciente permanece anestesiado, "aberto" e a equipe cirúrgica aguarda a resposta do patologista.
Se o exame indicar que ainda há células cancerígenas nas bordas do material retirado, o médico precisa voltar e remover uma área maior, prolongando a operação, o tempo de anestesia e o risco de complicações.
“Mesmo patologistas experientes podem ter dificuldade em fornecer uma resposta precisa sobre margem de segurança, porque o congelamento distorce a estrutura do tecido”, explica Lívia Eberlin.
“Com a caneta, o resultado vem em segundos, diretamente da sala de cirurgia, e o cirurgião sabe imediatamente se precisa retirar mais.”
Nos cânceres de pulmão, por exemplo, a definição das margens é um dos pontos mais críticos da cirurgia. Uma retirada excessiva pode comprometer a capacidade respiratória do paciente; uma retirada insuficiente aumenta o risco de recidiva.
“A tecnologia permite ao cirurgião saber, ainda na operação, se o tecido é normal ou tumoral, sem precisar esperar o laudo”, afirma o imunologista Kenneth Gollob, diretor do Centro de Pesquisa em Imunologia e Oncologia (CRIO) do Einstein.
Mama, fígado e ovário serão analisados
O Einstein é o primeiro centro fora dos Estados Unidos a testar a MasSpec Pen em pacientes. O estudo clínico, com duração de 24 meses, acompanha 60 pessoas com câncer de pulmão e de tireoide --tumores escolhidos pela acessibilidade cirúrgica e pela maturidade dos algoritmos de detecção.
A tecnologia já havia sido validada em um estudo publicado na JAMA Surgery em 2023, com mais de 100 pacientes submetidos a cirurgias de tireoide e paratireoide, alcançando acurácia superior a 92%.
O trabalho demonstrou que a caneta pode diferenciar, em tempo real, tecidos muito semelhantes, evitando a retirada acidental de glândulas saudáveis --uma complicação que ocorre em até 25% das operações convencionais.
As próximas etapas incluem estudos em tumores de mama, fígado e ovário, áreas em que a tecnologia já demonstrou alta precisão em testes laboratoriais e pode auxiliar na definição das margens cirúrgicas.
Os resultados obtidos no Brasil serão comparados ao exame anatomopatológico para avaliar acurácia, sensibilidade e especificidade.
Caneta pode medir potencial de resposta ao tratamento?
Além de detectar a presença de câncer, a equipe do Einstein quer entender se a MasSpec Pen pode revelar o perfil imunológico de cada tumor --uma informação que, até hoje, só é obtida dias depois da cirurgia, com exames laboratoriais complexos.
O Einstein é o primeiro centro fora dos Estados Unidos a testar a MasSpec Pen em pacientes. O estudo clínico, com duração de 24 meses, acompanha 60 pessoas com câncer de pulmão e de tireoide --tumores escolhidos pela acessibilidade cirúrgica e pela maturidade dos algoritmos de detecção.
A tecnologia já havia sido validada em um estudo publicado na JAMA Surgery em 2023, com mais de 100 pacientes submetidos a cirurgias de tireoide e paratireoide, alcançando acurácia superior a 92%.
O trabalho demonstrou que a caneta pode diferenciar, em tempo real, tecidos muito semelhantes, evitando a retirada acidental de glândulas saudáveis --uma complicação que ocorre em até 25% das operações convencionais.
As próximas etapas incluem estudos em tumores de mama, fígado e ovário, áreas em que a tecnologia já demonstrou alta precisão em testes laboratoriais e pode auxiliar na definição das margens cirúrgicas.
Os resultados obtidos no Brasil serão comparados ao exame anatomopatológico para avaliar acurácia, sensibilidade e especificidade.
Caneta pode medir potencial de resposta ao tratamento?
Além de detectar a presença de câncer, a equipe do Einstein quer entender se a MasSpec Pen pode revelar o perfil imunológico de cada tumor --uma informação que, até hoje, só é obtida dias depois da cirurgia, com exames laboratoriais complexos.
Parceira tecnológica do projeto, a Thermo Fisher Scientific é quem fornece o espectrômetro de massas Orbitrap 240, peça central da análise molecular.
Esse equipamento --que ocupa cerca de um metro de comprimento e pesa dezenas de quilos-- é o “cérebro” da operação. É ele que recebe, analisa e interpreta as amostras coletadas pela caneta.
O funcionamento ocorre em duas etapas interligadas:
A MasSpec Pen coleta a amostra. Ao encostar a ponta na região cirúrgica, o dispositivo libera uma microgota de água que absorve moléculas do tecido --como lipídios, metabólitos e fragmentos de proteínas. Essa gota é imediatamente sugada por um fino tubo conectado ao equipamento principal.
O espectrômetro faz a leitura química. Dentro do Orbitrap, essas moléculas são ionizadas e separadas conforme sua massa e carga elétrica, permitindo a criação de um perfil químico único, chamado de assinatura molecular.
A partir daí, um software alimentado por inteligência artificial compara o resultado com uma biblioteca de milhares de padrões de tumores já catalogados.
“A espectrometria de massas é uma das ferramentas mais precisas da ciência moderna. É ela que transforma a leitura química da gota de água em um diagnóstico confiável”, explica Dionísio Ottoboni, diretor de Instrumentos Analíticos da Thermo Fisher para a América Latina.
Brasil na ponta
Natural de Campinas, no interior de São Paulo, Lívia Eberlin é formada em Química pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), fez doutorado na Purdue University e pós-doutorado em Stanford.
Hoje, lidera uma equipe na Baylor College of Medicine e comanda a startup MS Pen Technologies, que desenvolve e pretende comercializar a caneta.
Com a conclusão do estudo, o passo seguinte é submeter a tecnologia à aprovação da agência regulatória americana, a Food and Drug Administration (FDA) e, futuramente, da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
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