Superbactérias versus novos antibióticos: quem vai vencer essa guerra?

Pode parecer um movimento lento...quase inexistente... mas a verdade é que neste ano, pelo menos, dois novos antibióticos entraram no mercado nacional, com a promessa de combater as superbactérias, como o Torgena (Pfizer) e o Zerbaxa (MSD).

Há também aquelas notícias inusitadas que fazem a maioria duvidar, como a publicada na BBC Brasil, sobre uma pesquisa da Rockefeller University, em Nova Iorque (Estados Unidos), que descobriu na poeira uma nova família de antibióticos com potencial para combater infecções difíceis de tratar. Os testes indicaram que os compostos naturais, chamados de malacidinas, foram capazes de debelar uma série de doenças bacterianas que se tornaram resistentes à maioria dos antibióticos, entre elas a superbactéria MRSA (Staphylococcus aureus).

Contrariando aqueles que dizem haver um apagão no lançamento de antibióticos, o principal problema mundial envolvendo essa classe de medicamentos não é propriamente a falta de novos produtos, mas seu consumo irracional e desnecessário.

Importante dizer que a resistência bacteriana pode ser considerada uma das principais ameaças à saúde mundial. A Organização Mundial de Saúde (OMS) estima que, a partir de 2050, mais de 10 milhões de pessoas morrerão por ano por conta de bactérias resistentes aos antibióticos atuais, superando o número anual de óbitos por câncer, que chega a 8,2 milhões.

Nota assinada pela OMS, em conjunto com a Organização Pan-Americana de Saúde (OPAH) revelou altos níveis de resistência bacteriana, tanto em países subdesenvolvidos como nos desenvolvidos.

Segundo o Global Antimicrobial Surveillance System (GLASS), o acometimento generalizado de resistência aos antibióticos ocorre em 500 mil pessoas com suspeita de infecção bacteriana em 22 países. Foram relatadas, de forma mais recorrente, as bactérias resistentes Escherichia coli, Klebsiella pneumoniae, Staphylococcus aureus e Streptococcus pneumoniae, seguidas da Salmonella spp.

A indústria está focada, mas nem tanto

De acordo com o presidente executivo do Sindicato da Indústria de Produtos Farmacêuticos no Estado de São Paulo (Sindusfarma), Nelson Mussolini, há, sim, muito interesse da indústria farmacêutica no desenvolvimento de novos antibióticos: “E a razão é a emergência das chamadas superbactérias, resistentes aos antibióticos comuns, que a OMS considera uma das maiores ameaças à saúde humana”.

Ele acredita que, por conta disso, os institutos de pesquisa e laboratórios farmacêuticos de todo o mundo correm contra o tempo para desenvolver novas classes de antibióticos. “A questão é que esta é uma tarefa complexa, demorada e cara”, dispara o executivo. O fato é que está mais difícil, e cada vez mais dispendioso, o desenvolvimento de novos medicamentos por causa do relativo esgotamento de opções de princípios ativos com potencial curativo, obtidos por meio de pesquisa.

Já quem trabalha com os antibióticos no dia a dia tem opinião diferente: “Este ano tivemos alguns lançamentos, mas os lançamentos tem sido raros, pois poucos laboratórios se interessam por esses produtos (antibióticos), já que existe um grande risco de se tornarem obsoletos em curto espaço de tempo devido à resistência”, afirma o responsável farmacêutico do Hospital da Polícia Militar, professor de pós-graduação e diretor da Sociedade Brasileira de Farmácia Hospitalar (Sbrafh), Marcelo Polacow.

Antibióticos novos

O mais recente antibiótico aprovado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) é o Torgena, da Pfizer, publicado em 25 de junho, no Diário Oficial da União.

O medicamento é específico para o combate de bactérias resistentes, incluindo a superbactéria Klebsiella pneumoniae, produtora de carbapenemase (KPC), que expressa resistência a aproximadamente 95% dos antimicrobianos existentes no mercado.

Além disso, Torgena combate outros dois agentes considerados críticos para a saúde pública pela OMS: a Pseudomonas aeruginosa e as bactérias que expressam outro mecanismo de resistência a antibióticos, as enterobactérias produtoras de ESBL (β-lactamases de espectro estendido). A molécula considerada inovadora é uma combinação do antibiótico ceftazidima com o avibactam.

"As bactérias têm evoluído e se tornado cada vez mais resistentes às opções terapêuticas existentes. Por isso, a importância do desenvolvimento de novos antibióticos. O lançamento do Torgena é um importante marco na luta contra a resistência bacteriana, principalmente contra a KPC", destaca o diretor médico da Pfizer Brasil, Eurico Correia.

Em desenvolvimento, o laboratório mantém também outros dois antibióticos com moléculas associadas ao avibactam, com foco no combate à resistência bacteriana.

Outro antibiótico disponibilizado no Brasil neste ano (maio) é destinado ao tratamento de infecções causadas por bactérias resistentes, como a Pseudomonas aeruginosa - uma das três bactérias mais resistentes, destacadas pela OMS.  

Com o nome comercial de Zerbaxa, o ceftolozana-tazobactam foi desenvolvido pela indústria farmacêutica MSD e é de uso hospitalar para tratar pacientes com infecções intra-abdominais e infecções do trato urinário, ambas de maior complexidade.

De acordo com estudos clínicos, o novo antibiótico demonstrou 87% de eficácia no tratamento de infecções intra-abdominais quando comparado ao tratamento padrão com meropeném (83%). Já para o tratamento de infecções do trato urinário causadas pelas P. aeruginosa, os números foram ainda mais expressivos, com aproveitamento de 75%, se comparados aos do levofloxacino (47%), que é um dos tratamentos contra esse tipo de infecção.

“Hoje em dia, ainda há uso de antibióticos de forma indiscriminada na medicina e veterinária, além da pecuária e agricultura. Isso resulta em uma importante pressão seletiva de bactérias. Ceftolozana-tazobactam é uma arma importante que está chegando ao mercado para auxiliar os médicos nessa luta, pois ainda perdemos pacientes com infecções por bactérias multirresistentes”, explica a infectologista na Universidade de Caxias do Sul, Lessandra Michelin, que é mestre e doutora em Biotecnologia e Vacinologia pela Université de Genève.

Bem, quanto ao antibiótico encontrado na poeira, pode parecer exagero, mas foi empregada uma técnica inovadora para sequenciar os genes de micróbios que vivem no solo. Assim, os pesquisadores anunciaram, em março deste ano, que encontraram uma nova classe de antibióticos poderosos, as malacidinas, que são eficazes em debelar bactérias multirresistentes.

Em testes em laboratório e em animais, as malacidinas eliminaram muitas infecções, incluindo algumas que se tornaram resistentes aos antibióticos tradicionais. Além disso, as bactérias infecciosas expostas às malacidinas não desenvolveram resistência aos novos antibióticos em experimentos laboratoriais de longa duração. Os resultados foram publicados na revista Nature Microbiology.

O chefe do Laboratory of Genetically Encoded Small Molecules, da Universidade de Rockefeller (onde a pesquisa foi conduzida), Sean F. Brady, diz que serão necessários anos de pesquisas adicionais antes que as malacidinas possam estar prontas para testes clínicos em humanos. Ainda assim, a descoberta poderá ajudar a enfrentar uma crise de saúde pública, à medida que os antibióticos existentes perdem cada vez mais sua eficácia contra microrganismos que causam infecções perigosas.

É preciso agir

Mussolini, do Sindusfarma, acredita que o principal problema mundial envolvendo antibióticos não é a falta de medicamentos adequados, mas seu consumo irracional e desnecessário. “Segundo estudos internacionais recentes, é esse consumo excessivo de antibióticos que tem provocado o aumento da resistência bacteriana, foco da preocupação de médicos e autoridades sanitárias, por representar uma real ameaça à saúde pública”, evidencia ele.

A solução passa por medidas de educação e controle, como a adotada no Brasil, de dispensar antibióticos somente mediante a apresentação de receita médica. “Nos fóruns de que participa, o Sindusfarma transmite e reitera a mensagem de que o consumo correto e racional de qualquer medicamento será sempre fruto de um enforcement coletivo, do compartilhamento amplo de informações e orientações precisas e da supervisão e fiscalização permanentes envolvendo todos os elos dessa cadeia: órgãos reguladores, médicos, profissionais de saúde, hospitais, população, indústria, varejo, centros de vigilância sanitária etc.”, avalia o presidente da entidade.

Para Polacow, os dados são alarmantes e a população corre o risco de entrar novamente numa era antes dos antibióticos, ou seja, haverá um nível de resistência tão alto que a maioria das infecções pode ficar sem tratamento disponível. “De acordo com algumas projeções apresentadas pelo assessor científico da BD, Patrick Murray, em evento realizado em agosto de 2018, em São Paulo (SP), morrerão mais pessoas de doenças infectocontagiosas em 2050 do que de doenças cardiovasculares e câncer, se nada for feito até lá”, prevê o farmacêutico.

A solução é complexa e envolve desde a mudança de atitude de prescritores e dispensadores com a utilização de boas práticas de prescrição e dispensação, passando pelas ações governamentais que garantam políticas de uso racional de antibióticos.

“Outro ponto importante são os dados laboratoriais de microbiologia clínica que necessitam ser aprimorados e automatizados, sempre que possível, para apresentarem dados confiáveis de perfil de identificação, resistência e sensibilidade dos microrganismos frente aos antibióticos disponíveis”, alerta Polacow.

A Anvisa disponibilizou, no ano passado, o Plano de Ação da Vigilância Sanitária em Resistência aos Antimicrobianos, que demarca o papel da vigilância sanitária nos esforços brasileiros de enfrentamento à resistência aos antimicrobianos.

No documento há estratégias de diferentes campos da vigilância sanitária, como alimentos, serviços de saúde, laboratórios, entre outros. Seguindo recomendações da OMS, a iniciativa oferece um plano estratégico e um plano operacional.

No plano estratégico, encontram-se os objetivos principais, as intervenções estratégicas e as atividades que contribuirão para a prevenção e o controle da resistência aos antimicrobianos. O plano operacional apresenta lista com as atividades secundárias a serem implementadas dentro do que foi estabelecido no plano estratégico e fornece informações detalhadas, especificando resultados esperados, quantidade ou frequência da execução, prazos, responsáveis pela execução, atores envolvidos, custos estimados e fonte de financiamento.

Além disso, outros órgãos ligados à saúde também estão se envolvendo na questão, como o Conselho Federal de Farmácia (CFF), que estruturou recentemente um Grupo de Trabalho para discutir ações em âmbito nacional, coordenado pela farmacêutica e professora, Adryella Luz.

Mundialmente, frente à necessidade de um sistema de vigilância global, a OMS disponibilizou, em outubro de 2015, o Global Antimicrobial Resistance Surveillance System (GLASS), para apoiar o plano de ação global sobre resistência antimicrobiana. O objetivo é fortalecer a base de evidências sobre a resistência e ajudar a tomada de decisões na condução de ações nacionais, regionais e globais.

O sistema global irá, eventualmente, incorporar informações de outros sistemas de vigilância relacionados à resistência antimicrobiana nos seres humanos, como na cadeia alimentar, monitoramento do consumo de antibióticos, projetos de vigilância direcionados e outros dados relacionados.

Todos os dados produzidos pelo GLASS estão disponíveis gratuitamente online e atualizados regularmente. O diretor-geral da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus, ressaltou seu objetivo de tornar a resistência antimicrobiana uma das principais prioridades da OMS, reunindo especialistas e trabalhando nessa questão no âmbito de um novo conjunto de iniciativas estratégicas.

Tecnologia contra a resistência bacteriana

O Digital AMS é um aplicativo, lançado em agosto de 2018, que auxilia os profissionais de saúde a organizar e consultar dados epidemiológicos dos hospitais onde trabalham, de modo a fazer uso mais racional de antibióticos.

Qualquer hospital pode ter acesso à ferramenta, basta que faça algum tipo de controle da microbiota do hospital. Por meio do aplicativo, os profissionais podem ter uma visão organizada dos microrganismos presentes em cada ambiente da instituição, além de poderem consultar protocolos internos de modo a identificarem o antibiótico correto para cada tipo de infecção.

“O aplicativo permite ao médico consultar qual o perfil de bactérias encontrado dentro do hospital em que trabalha e identificar qual o melhor antibiótico para cada situação. Além disso, em alguns casos, o próprio aplicativo oferecerá sugestões de quais antibióticos utilizar para cada caso”, explica a diretora médica do laboratório MSD, Fabiane El-Far. 

A iniciativa faz parte do programa Antimicrobial Stewardship (AMS), da MSD, e até o final de 2018 a expectativa é de que 50 hospitais, em todo o Brasil, façam uso do aplicativo. O objetivo é conscientizar profissionais de saúde e a população em geral sobre o uso racional de antibióticos. 

No Brasil, esse laboratório tem promovido o programa junto aos hospitais e operadoras de saúde – tanto no sistema público quanto no privado. A ideia é munir médicos e gestores de saúde com informações a respeito da importância de mapear a resistência bacteriana presente no ambiente hospitalar para, assim, definir o melhor antibiótico para cada situação, diminuindo as chances de resistência e proliferação das chamadas superbactérias.

Essas superbactérias existem mesmo?

Dados da Anvisa apontam que cerca de 25% das infecções registradas no País são causadas por micro-organismos multirresistentes – aqueles que se tornam imunes à ação dos antibióticos. Essas são as superbactérias e, infelizmente, elas existem.

Sem antibióticos eficientes contra as superbactérias, muitos procedimentos médicos, como cirurgias e quimioterapia para pacientes com câncer, por exemplo, poderiam ser inviabilizados. “Nós utilizamos antibióticos em complicações infecciosas de diversos procedimentos hospitalares, o que possibilitou inúmeros avanços em várias áreas da saúde, incluindo os transplantes, por exemplo. Se as bactérias se tornarem resistentes aos antibióticos que temos disponíveis atualmente, poderemos voltar à era pré-antibióticos, em que um simples ferimento infectado poderia causar graves danos”, alerta o infectologista e professor da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Clóvis Arns.

"Algumas das infecções mais comuns do mundo – e potencialmente as mais perigosas – estão provando ser resistentes aos medicamentos", diz o diretor do secretariado de Resistência Antimicrobiana da OMS, Marc Sprenger. Ele acrescenta: "E o mais preocupante de tudo: os patógenos não respeitam as fronteiras nacionais. É por isso que a OMS está encorajando todos os países a criar bons sistemas de vigilância para detectar a resistência aos medicamentos e fornecer dados para este sistema global".

A resistência ocorre porque, de modo geral, algumas bactérias já são naturalmente imunes a determinados antibióticos. Outros microrganismos desenvolvem resistência porque incorporam genes de outras bactérias que se tornaram resistentes ou porque seus genes sofrem mutação.

Os genes que codificam a resistência ao medicamento podem ser passados para as gerações seguintes de bactérias ou, às vezes, até mesmo para outras espécies de bactérias. Quanto mais frequentemente são usados antibióticos, mais provável é o desenvolvimento de bactérias resistentes.

Mecanismos comuns de resistência a antibióticos

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Lista da OMS com 12 superbactérias

Conheça a lista com as principais bactérias prioritários da OMS para a pesquisa de novos antibióticos.

Prioridade 1: CRÍTICA

  • Acinetobacter baumannii, resistente à carbapenema
  • Pseudomonas aeruginosa, resistente à carbapenema
  • Enterobacteriaceae, resistente à carbapenema, produtoras de ESBL

Prioridade 2: ALTA

  • Enterococcus faecium, resistente à vancomicina
  • Staphylococcus aureus, resistente à meticilina, com sensibilidade intermediária e resistência à vancomicina
  • Helicobacter pylori, resistente à claritromicina
  • Campylobacter spp., resistente às fluoroquinolonas
  • Salmonellae, resistentes às fluoroquinolonas
  • Neisseria gonorrhoeae, resistente à cefalosporina, resistente às fluoroquinolonas

Prioridade 3: MÉDIA

  • Streptococcus pneumoniae, sem sensibilidade à penicilina
  • Haemophilus influenzae, resistente à ampicilina

Shigella spp., resistente às fluoroquinolonas

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