Justiça (TRF1) libera medicamentos em supermercados

Justiça (TRF1) libera medicamentos em supermercados

Tema controverso e há bastante tempo discutido no setor farmacêutico, a venda de medicamentos em supermercados e lojas de conveniência saltou uma casa no tabuleiro com a decisão da 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1), de permitir que esses estabelecimentos possam comercializar medicamentos isentos de prescrição (MIP). Contudo, a polêmica ainda não terminou, pois há divergência no próprio Poder Judiciário quanto ao caráter peremptório da decisão.

Nos termos do acórdão relatado pela desembargadora federal Daniele Maranhão, ela conclui que as restrições impostas pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) não encontram amparo na legislação federal, em particular na Lei 5.991/73, e os supermercados, lojas de conveniência e drugstores estão no rol de estabelecimentos com permissão para comercializar medicamentos.

A discussão sobre a legalidade da venda de medicamentos fora do ambiente da farmácia tem sido objeto de grande debate ao longo das últimas décadas, percorrendo a pauta dos Poderes Judiciário e Legislativo, como destaca artigo dos advogados Beatriz Kestener, Flávio Ramos e Ana Carolina Fatala Loureiro, do escritório KGV, publicado no site especializado em assuntos jurídicos Jota.

Na prática, segundo os advogados, a discussão gira em torno de dois modelos de negócio: de um lado, aquele que permitiria aos supermercados vender medicamentos isentos de prescrição médica e que consentiria a farmácias e drogarias comercializar produtos variados, denominados conveniência (não apenas medicamentos); e de outro, um modelo bem mais restrito, que vedaria o comércio de medicamentos por supermercados e restringiria demasiadamente o tipo de produto permitido para venda em farmácias e drogarias.

Polêmica tem mais de duas décadas

Em 1994, a Medida Provisória (MP) 542, do então Presidente Itamar Franco, alterou dispositivos da Lei Federal 5.991/73 (que regula o comércio de drogas, medicamentos, insumos farmacêuticos e correlatos) para incluir os supermercados, armazéns e empórios, lojas de conveniência e drugstores no rol de estabelecimentos autorizados a dispensar medicamentos que não dependam de receituário médico.

Entretanto, quando da conversão da MP em lei, o dispositivo legal que ampliava a venda de medicamentos a outros tipos de estabelecimento acabou sendo retirado da lei, perdendo eficácia desde então. “Por isso, parte da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem interpretado os dispositivos da Lei 5.991 no sentido de que os supermercados e lojas de conveniência não estariam autorizados a comercializar medicamentos de qualquer natureza, embora a própria lei não traga essa vedação de forma objetiva ou expressa”, afirmam os advogados do KGV.

Eles lembram que, a despeito do posicionamento da 5ª Turma do TRF1, o Poder Judiciário ainda diverge bastante sobre o tema, sem firmar um posicionamento uniforme quanto à adequada interpretação dos dispositivos da Lei 5.991, e a discussão segue percorrendo a pauta dos Poderes Judiciário e Legislativo, notadamente depois da publicação, pela Anvisa, da Instrução Normativa 9/09 e da Resolução (RDC) 44/09.

A RDC 44/09, que trata das Boas Prática Farmacêuticas, não contemplou os supermercados e as lojas de conveniência como estabelecimentos passíveis de licença para venda de medicamentos. Já a Instrução Normativa 9/09 estabeleceu uma relação taxativa de produtos permitidos para venda em farmácias e drogarias, excluindo todo e qualquer produto não listado na norma ou por ela vedado.

Ao longo dos anos, várias ações judiciais foram propostas para discutir as normas editadas pela Anvisa que teriam sido até mais restritivas que a própria Lei 5.991. Atitude que, segundo alguns especialistas, teria extrapolado os limites da competência do órgão como agência reguladora. “Como resultado, as restrições impostas pela Anvisa violariam normas constitucionais, como as que consagram o princípio da separação dos poderes, os princípios da legalidade geral e estrita, e o direito fundamental ao livre exercício da atividade econômica”, dizem os advogados do KGV.

É justamente sobre esses temas que trata o julgamento da 5ª Turma do TRF1, quando a desembargadora conclui no acórdão que as restrições impostas pela Anvisa não encontram amparo na legislação federal e, sendo assim, os supermercados, lojas de conveniência e drugstores são livres para comercializar medicamentos.

Vários projetos de lei foram apresentados

Projetos de lei sobre o tema atravessaram diversas legislaturas. Para não voltar demais no tempo, vale lembrar que, em 1995, o ex-deputado Odelmo Leão (PPB-MG) apresentou o PL 1.324/95 com o objetivo de permitir a venda de medicamentos isentos de prescrição em supermercados, armazéns, bares e estabelecimentos assemelhados.

Já o ex-deputado Jorge Anders (PSDB-ES) apresentou no mesmo ano o PL 576/95, que estabelecia a proibição da venda de qualquer tipo de medicamento em estabelecimentos comerciais não legitimados ao controle sanitário.

Em 2004, o STJ proibiu definitivamente essa comercialização nesses estabelecimentos. Em 2009, o deputado Sandro Mabel (MDB-GO) tentou autorizar novamente a comercialização por meio da MP 549/11, mas ela foi rejeitada na Câmara dos Deputados e vetada em 2012 pela então presidente da República Dilma Rousseff.

Em 2018, o ex-presidente Michel Temer afirmou, no congresso da Associação Paulista de Supermercados (Apas), que iria avaliar uma proposta de autorizar supermercados a vender MIPs. No mesmo período, o deputado federal Ronaldo Martins (PRB-CE) apresentou o PL 9.482/18 com o mesmo propósito de autorização da venda de medicamentos no varejo alimentar.

Em 2019, a artilharia foi mais pesada, dessa vez com a passagem do senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), com o PL 3589/19, apresentado em 18 de junho e que pretendia manter medicamentos em supermercados, mas sem a presença do farmacêutico.

O senador apontou que a venda de medicamentos em todos os estabelecimentos comerciais provocaria uma redução dos preços dos medicamentos e quebraria o que ele chamou de “verdadeiro monopólio exercido atualmente pelas farmácias”.

Como justificativa, Flávio Bolsonaro usou informações do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) que apontou que os medicamentos respondem por mais de 40% dos gastos das famílias brasileiras em saúde.

No entanto, o possível lobby dos mercados foi claramente estabelecido: na justificativa, o senador Bolsonaro afirmou que o representante da Associação Brasileira de Supermercados (Abras), Márcio Milan, disse que, durante o período em que esses estabelecimentos comercializaram os MIPs, houve uma drástica redução nos preços, principalmente de analgésicos e antitérmicos, cuja queda chegou a 35%. Ele se referiu à liminar, de 1995, que autorizou o comércio a vender MIPs. O PL 3589/19 foi retirado de pauta, pelo próprio senador, quatro meses depois de seu lançamento.

Depois veio a MP 881/19, em que o deputado Federal Jerônimo Goergen (PP-RS) propunha o mesmo tema, acrescido da criação do farmacêutico virtual. Essa matéria foi retirada do texto da norma um dia antes da votação. Há os que digam que o deputado cedeu ao lobby dos representantes dos farmacêuticos. No entanto, ele prometeu retomar o tema posteriormente.

Outra iniciativa foi o PL 5455/19, de autoria do senador Sérgio Petecão (PSD-AC), visando alterar a Lei 5.991. Esse PL autoriza a dispensação de MIPs em supermercados, hipermercados, armazéns, empórios, lojas de conveniência e drugstores, bem como permite que os estabelecimentos hoteleiros disponibilizem aos seus usuários medicamentos anódinos que não dependam de receita médica.

Segue em tramitação também o Projeto de Lei 1.774/19, proposto em março de 2019 pelo deputado Glaustin Fokus (PSL-GO), que visa autorizar a dispensação de medicamentos isentos de prescrição em supermercados e estabelecimentos similares.

Tema não está pacificado na Justiça

Embora esse pareça ser o posicionamento consolidado da 5ª Turma do TRF1, que já proferiu outras decisões semelhantes, o próprio TRF1 diverge sobre o tema. “A 6ª Turma, aparentemente, tem proferido decisões em sentido oposto, de que a Lei 5.991 não teria permitido a venda de medicamentos por supermercados e lojas de conveniência”, relatam os advogados no artigo ao Jota.

Assim, segundo eles, considerando a divergência jurisprudencial, o Poder Legislativo tem tentado rever a Lei 5.991 para pacificar o debate. Recentemente, havia rumores de que a MP 881/19 (conhecida como a MP da Liberdade Econômica) poderia expressamente ampliar o rol de estabelecimentos autorizados a vender medicamentos isentos de prescrição, mas tal previsão acabou não sendo contemplada na publicação da Lei 13.874/19.

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“Portanto, a despeito da recente decisão proferida pela 5ª Turma do TRF1, o tema continua vivo e forte na pauta de debates dos Poderes Judiciário e Legislativo, aguardando um desfecho que seja capaz de garantir ao setor regulado a segurança jurídica necessária ao exercício de seus direitos constitucionais e ao desenvolvimento regular de sua atividade econômica”, concluem os advogados do KGV.

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