Senador defende venda de antibióticos sem receita

De tão jocoso, o fato poderia ser considerado digno de chacota e se transformar em mais um meme na internet...mas não é bem assim! Na força de um projeto de lei defendido por um senador, o que poderia ser considerado o maior contrassenso da história farmacêutica ligada aos antibióticos poderá virar realidade, se nada for feito em contrário.

O Projeto de Lei do Senado 545, de 2018, de autoria do senador, Guaracy Silveira (PSL/TO), defende a liberação da dispensação de antimicrobianos sem prescrição médica em localidades que não tenham acesso a serviço de saúde pública, permitindo, assim, à população adquirir quaisquer antibióticos livremente nas farmácias.

Ele justifica que a lei poderia amenizar a dificuldade enfrentada pelas pessoas mais pobres do País “na hora de comprar um remédio para tratar de doenças simples, do cotidiano”, segundo suas palavras no texto do PL.

É preciso salientar que a divulgação desse material causou um verdadeiro alvoroço no segmento farmacêutico brasileiro. Depoimentos contrários surgem a cada segundo – todos tentando defender a necessidade da dispensação via receituário médico após o diagnóstico correto da doença – o que garante o tratamento correto e minimiza um dos mais graves problemas de saúde pública mundial: a resistência bacteriana

Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), atualmente, cerca de 700 mil mortes por ano são atribuídas à resistência bacteriana no mundo, e a previsão é de que esse número suba para 10 milhões de mortes até 2050.

Bem, neste caso, a nação farmacêutica deve estar se perguntando: Então, ficará a critério do farmacêutico dar o apoio à população daquelas localidades, ao menos, na escolha do antibiótico mais adequado? A resposta é NÃO!

O senador Guaracy Silveira diz que o cidadão não deve ficar à mercê do que ele mesmo chamou de poderoso corporativismo classistas dos farmacêuticos, “que garantem sua reserva de mercado pela lei que obriga todas as farmácias do Brasil a empregarem ao menos um profissional”. Ele acusa ainda o farmacêutico de estar no balcão sem função alguma, apenas para vender remédios!

Fica claro o desconhecimento desse senador sobre a problemática que envolve os medicamentos e as leis e resoluções que regem a atuação do farmacêutico na farmácia. Vale citar a Lei 13.021, de agosto de 2014, que institui a farmácia como uma unidade de prestação de serviços de saúde destinada à assistência farmacêutica.

Por sua vez, essa lei, em seu Art. 2°, diz que a assistência farmacêutica é o conjunto de ações e de serviços que visem a assegurar a assistência terapêutica integral e a promoção, a proteção e a recuperação da saúde nos estabelecimentos públicos e privados que desempenhem atividades farmacêuticas, tendo o medicamento como insumo essencial e visando ao seu acesso e ao seu uso racional.

Repúdio

A Associação dos Farmacêuticos do ICTQ fez uma nota de repúdio contra esse Projeto de Lei 545/18 e contra a declaração do senador Guaracy Silveira, na tribuna, em 6 de dezembro de 2018, na 148° Sessão Deliberativa Extraordinária do Senado Federal, dizendo que existe um corporativismo na saúde brasileira com o plano de prejudicar a população, principalmente, a mais carente.

O presidente da Associação dos Farmacêuticos do ICTQ, Carlos Eugenio Muniz de Holanda Cavalcante, critica o fato de os farmacêuticos terem sido chamados de meros vendedores de remédios. “Isso só demonstra o total desconhecimento das atribuições deste profissional e das legislações vigentes no Brasil”, fala ele.

“Esse projeto de lei vai na contramão de tudo o que a classe farmacêutica e a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) vem trabalhando. Em vez de o senador tentar garantir à população carente o direito de um serviço de saúde pública de qualidade, em todas a localidades no País, ele aconselha às pessoas a usar Amoxicilina para combater dores simples de garganta (segundo suas palavras)! Parece um absurdo que ele esteja prescrevendo medicamentos, mas essa afirmação está na Justificação do PL 545/18 desse senador”, critica o gestor do ICTQ – Instituto de Pesquisa e Pós-Graduação para o Mercado Farmacêutico, Raphael Espósito.

Farmacêuticos estão indignados

Vários profissionais se pronunciaram na página do grupo de Farmacêuticos do ICTQ no Facebook, que possui mais 186 mil participantes. Esse grupo reúne profissionais de todo o País e do exterior para discutir os problemas da população relacionados ao uso indiscriminado de medicamentos e sobre os rumos da profissão em si, entre outras coisas.

Num apanhado geral pelas manifestações desses profissionais nesse grupo, foram encontradas centenas de depoimentos repudiando projeto de lei, entre eles, o do farmacêutico, Rafael Botelho, de Palmas (TO), que diz que é um absurdo tamanha desinformação do senador Guaracy Silveira (PSL). “Uma afronta à classe farmacêutica”.

O farmacêutico, Vicente Saraiva, critica o PL e informa que projeto geraria um grande problema de saúde pública. “Não existe medicamento simples, as pessoas não possuem o conhecimento dos médicos e dos farmacêuticos, a promoção da automedicação só aumenta o número de mortos por tal causa. Antes de criar um projeto como esse, sugiro-lhe que estude atentamente, pois, através desse projeto, superbactérias podem se desenvolver mais ainda”.

O farmacêutico, Isaac Dantas, de Mossoró (RN), ressalta que o senador Guaracy Silveira representa a nação e, consequentemente, os farmacêuticos. Segundo ele o parlamentar deveria pelo menos ter buscado entender um pouco das mais de 70 áreas de atuação do profissional farmacêutico. “Somos profissionais indispensáveis no atendimento primário e hospitalar, estamos em uma mudança de consciência da população, principalmente relacionada ao uso indiscriminado de medicamentos, isto é a farmácia clínica. O profissional farmacêutico estuda quatro ou cinco anos para entender o que vai naquele comprimido que o senhor engole para pressão alta, é o profissional farmacêutico quem estuda as interações entre todos os medicamentos para que o senhor faça uso e não aconteça uma intoxicação ou diminuição do efeito de algum outro. É necessário ter responsabilidade ao lidar com a saúde da população”.

Já o farmacêutico Filipe Magalhães, que mora em Manaus (AM), se diz assustado com tamanha falta de informação para uma pessoa que ocupa um cargo público e que deveria ter informações específicas antes de formular um Projeto de Lei tão específico. “O que ele julga ser corporativismo? Nós sentimos o quão negligente o setor público é quanto ao desenvolvimento de mecanismos de segurança ao paciente usuário de medicamentos, à farmacovigilância, ao uso racional de medicamentos, dentre outros. Os serviços farmacêuticos de orientação e consulta farmacêuticas surgiram como mecanismos fundamentais para minimizar os riscos do uso indiscriminado. Se esse corporativismo fosse tão avassalador no Brasil, nós não teríamos hoje bactérias super-resistentes a antibióticos das mais novas gerações por conta do uso indiscriminado dos mesmos. Se fosse tão avassalador assim, nós não teríamos um índice de 70% de óbitos de intoxicação por medicamentos”.

Já a estagiária em Farmácia, Laís Leite, de Piracicaba (SP), questiona o entendimento do senador sobre corporativismo. “Sabe o que é o corporativismo na saúde brasileira? Hospitais sem a mínima infraestrutura para acomodar os pacientes. As pessoas passando calor dentro do quarto dos hospitais, expostas ao sol e jogadas no corredor. Falta de medicamentos essenciais, pacientes com hepatite, esclerose múltipla, entre outras doenças graves, sem medicamentos porque o Ministério da Saúde não fez a aquisição dos mesmos e não tem previsão para isso”.

O farmacêutico, Ocinei Rego, de Santarém (PA), também acha que o PL 545/18 é um absurdo. “Passamos cinco anos estudando pra sermos chamados de simples vendedores de remédios. Acho que o senador deveria se preocupar com a saúde da população que sofre nas filas dos hospitais públicos sem leitos, sem medicamentos, sem assistência à saúde. A nossa profissão é uma das mais antigas da área da saúde e não podemos ser tratados assim. Ele deveria, ao menos, respeitar a nossa profissão, nossa atuação é pautada, é regulamentada, temos muita responsabilidade, atuamos com muito amor e carinho”.

Como é de costume na abordagem jornalística, tentamos encontrar alguém a favor do PL 545/18, mas isso não foi possível, pelo menos entre a classe farmacêutica.

Defendendo a boa prática do jornalismo, tentamos, também, ouvir a posição do senador Guaracy Silveira, por meio do seu gabinete e, posteriormente, via assessoria de imprensa. Ele não respondeu às solicitações e nem se posicionou com relação às críticas que vem recebendo da classe. O fechamento desta matéria ocorreu às 13h do dia 24 de janeiro de 2019.

A aposentada, Maria do Socorro de Souza, de Ribeirão Pires (SP), foi indagada sobre qual antibiótico ela achava que deveria comprar para uma dor de garganta: “Eu não sei! Antibiótico para dor de garganta...acho que eu compraria Dorflex”, sugeriu ela.

Pergunta que não quer calar: ela sabe o que é antibiótico? Ela sabe se é uma infecção ou uma simples inflamação? Ela saberia qual agente estaria causando sua dor de garganta? Possivelmente todas essas respostas seriam negativas.

“O farmacêutico é um profissional altamente qualificado com conhecimento técnico/científico e habilidades para promoção da saúde na sociedade e conscientização do paciente, promovendo o uso racional de medicamentos e coibindo a automedicação, por esse motivo, a Associação do ICTQ repudia com veemência as palavras ditas pelo senador”, diz a nota da referida Associação.

Contra fato não há argumentos

Segundo o Portal da Anvisa, a automedicação e o uso indevido de antibióticos e outros medicamentos causam sérios problemas à saúde pública. Isso porque o consumo inadequado de certos produtos farmacêuticos provoca o que as autoridades sanitárias chamam de resistência antimicrobiana, fenômeno caracterizado pelo desenvolvimento de superbactérias capazes de resistir aos efeitos dos tratamentos das doenças.

Para enfrentar essa situação, a Organização Mundial da Saúde (OMS) lançou, em 2015, o Plano de Ação Global em Resistência a Antimicrobianos, que serviu de base para diversos países traçarem suas estratégias. A resistência ocorre mais frequentemente com antibióticos, mas também afeta antivirais, antifúngicos e antiparasitários.

No Brasil, a elaboração de um Plano de Ação Nacional envolve diversos órgãos, em uma parceria entre a Anvisa e os ministérios da Saúde, Agricultura, Ciência e Tecnologia e Meio Ambiente. Como complemento às estratégias nacionais, a Anvisa elaborou um plano de ação próprio, indicando o papel da vigilância sanitária nos esforços do País para a prevenção e o controle da resistência aos antimicrobianos, com atividades previstas até 2021.

Para conter o problema no País, foram estabelecidos objetivos, que incluem ações de conscientização da sociedade e de capacitação sobre a resistência antimicrobiana e a redução do uso indiscriminado desse tipo de medicamento. Parece que toda a sociedade e os órgãos públicos se mobilizam contra o uso indiscriminado e sem receita dos antibióticos, menos o senador Guaracy Silveira...

Dados mundiais

Se medidas não forem tomadas, estimativas indicam que em 2050 uma pessoa morrerá a cada três segundos em consequência de agravos causados por resistência aos antimicrobianos, o que representará 10 milhões de óbitos por ano, ultrapassando a atual mortalidade por câncer (8,2 milhões de mortes/ano), segundo a OMS.

Com relação ao uso desses produtos, entre 2000 e 2010 foi registrado um aumento de 36% no consumo de antimicrobianos em 71 países, sendo que Brasil, Rússia, Índia, África do Sul e China responderam por três quartos (75%) desse crescimento. No Brasil, somente em 2015, foram comercializadas 73 milhões de embalagens de antimicrobianos, de acordo com dados do Sistema de Acompanhamento do Mercado de Medicamentos (Sammed).

A OMS afirma que o número de doses de antibióticos consumidas no Brasil está entre os maiores do mundo, superando a média da Europa, Canadá e Japão. Os dados estão em relatório da entidade, divulgado em novembro de 2018, que alerta para as consequências do uso indiscriminado desse tipo de medicamento.

A principal preocupação da Organização é que o consumo indevido favoreça o surgimento de bactérias multirresistentes causadoras de infecções difíceis de curar.

O levantamento da OMS incluiu os dados de 65 países onde as estatísticas são coletadas de forma rigorosa. O indicador utilizado foi o número de doses diárias (DD) consumidas para cada mil habitantes. No Brasil, o índice ficou em 22 DD para cada mil habitantes, o que coloca o País como o 17º maior consumidor do medicamento entre as 65 nações pesquisadas.

Na Europa, a média é de 18 doses, enquanto no Canadá e no Japão, o índice medido foi de 17 e 14 DD, respectivamente. O relatório mostra grande variação do consumo do medicamento entre os países. O índice variou de 4 no Burundi (África) a 64 DD na Mongólia (Ásia).

Ainda segundo a OMS, apenas a resistência aos antibióticos que tratam de tuberculose causa atualmente a morte de 250 mil pessoas por ano. Além desse caso, a OMS já identificou outras 12 situações em que a resistência a produtos no mercado já representa uma ameaça.

No total, 51 novos antibióticos estão em diferentes etapas de avaliação e testes. Desses, porém, apenas oito estão sendo classificados pela OMS como tratamentos inovadores. Mesmo eles não são garantia total de esperança nessa área porque precisam passar por todas as fases de pesquisas clínicas para chegar ao mercado.

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