Farmas de todo o mundo celebram hoje, no dia 25 de setembro, o dia Internacional do Farmacêutico: o profissional da saúde que, no imaginário popular, sempre esteve associado aos medicamentos, deles se valendo para promover o bem-estar e a qualidade de vida das pessoas. Todavia, o farmacêutico moderno tornou-se um profissional multifacetado que serve à sociedade de diferentes formas, muitas delas transcendendo o universo do desenvolvimento, da produção e da dispensação dos medicamentos.
Pensando nisso, o ICTQ – Instituto de Ciência, Tecnologia e Qualidade, e porque não dizer o INSTITUDO DO FARMACÊUTICO NO BRASIL, reuniu quatro representantes de seu corpo docente, todos eles referências nacionais em suas áreas de atuação, para uma entrevista exclusiva sobre a realidade e as perspectivas da profissão no Brasil.
Quais são as atribuições e habilidades exigidas do farmacêutico na atualidade?
Luciana Colli (Especialista em Assuntos Regulatórios): As atribuições mais novas relacionadas à profissão farmacêutica são atuação na ozonioterapia e como responsável técnico por serviços de vacinação. Temos outras em evolução, como as atribuições clínicas, que no ano corrente completam dez anos de regulamentação. O desenvolvimento a que me refiro é a ampliação no número de profissionais atuantes e na expansão de subáreas que estão atendendo. Do farmacêutico se é exigido o desenvolvimento de inúmeras habilidades, principalmente a capacidade de entender o que precisa conhecer, buscar o conhecimento, a estrutura regulatória da atuação. Isso é para não ter surpresas no que se refere a infração sanitária, especialmente.
Nelson Belarmino (Especialista em Farmácia Clínica com ênfase em Oncologia): A Oncologia nos últimos anos tem avançado bastante e cada vez mais os profissionais estão buscando capacitação. Uma limitação que tínhamos era a necessidade de o profissional se manter qualificado e habilitado para exercer farmácia oncológica. No decorrer dos últimos anos, sabemos que esse profissional conseguiu avançar, uma vez que ele está se capacitando continuamente, reduzindo a carência dessa área. Se faz necessário ampliar o quadro de funcionários, já que, a manipulação de medicamentos oncológicos é mais morosa e para que haja vazão e melhor fluxo em atividades como a quimioterapia, por exemplo.
Thiago de Melo (PhD em Farmacologia): Ao longo da história, não há dúvida de que os farmacêuticos assumiram papéis fundamentais para a promoção da saúde. Entretanto, principalmente na última década, vejo que essas funções se encontram cada vez mais amplas e multidisciplinares. Além de suas atuações tradicionalmente conhecidas na clássica assistência farmacêutica, suas habilidades em áreas como aconselhamento ao paciente, gerenciamento de terapias medicamentosas, interpretação de exames laboratoriais além da educação em saúde tem sido itens obrigatórios (mas não opcionais) na área do farmacêutico moderno. E ainda vou além: de nada adiantará se a habilidade de comunicação com os pacientes e equipe multidisciplinar não estiver no “recheio desse bolo”.
Pedro Sousa (Especialistas em Farmácia Estética e coordenador da Pós-Graduação em Saúde Estética do ICTQ): Temos visto um crescimento em relação às áreas clínicas e autônomas da profissão farmacêutica, assim o profissional precisa se adequar às novas demandas inerentes a essas atribuições. O farmacêutico clínico autônomo, assim como o profissional de estética, precisa desenvolver habilidades de manejo completo do paciente, assim como gestão e empreendedorismo.
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Como a transformação digital está impactando a profissão farmacêutica?
Luciana Colli: A digitalização dos processos está impactando em todas as áreas de atuação do farmacêutico. Em 2022 tivemos, inclusive, a regulamentação da Telefarmácia, permitindo o exercício de várias atribuições clínicas utilizando plataformas de tecnologia de informação e comunicação. Na área da indústria farmacêutica já ocorre ampla aplicação do uso digital nas atividades. Na parte clínica, é possível monitorar um paciente à distância. No ensino, hoje, uma grande parte dos cursos de aperfeiçoamento são remotos ou à distância (EaD). A tendência é só aumentar a aplicação.
Nelson Belarmino: A evolução tecnológica impacta de forma muito positiva na atuação do farmacêutico, mas ela não substitui de forma alguma a análise do profissional, que precisa, ainda assim, fazer uma avaliação. A tecnologia impacta também a capacitação para profissionais que estão distantes de grandes centros urbanos e permite que essas capacitações cheguem até quem precisa. Isso se aplica a cursos de especializações em que os profissionais se formam sem sair de casa.
Thiago de Melo: A digitalização dos processos está tendo um impacto significativo na área farmacêutica. Ela tornou mais eficiente o gerenciamento de estoques, aquisição e a rastreabilidade de medicamentos. Não podemos esquecer também da telefarmácia que juntamente com os aplicativos de saúde estão mudando a forma como os farmacêuticos interagem com os pacientes, permitindo consultas online e o monitoramento remoto deles. Outro benefício direto no avanço do conhecimento da farmacologia clínica são os softwares que garantem a praticidade e coleta de dados para farmacovigilância e pesquisa clínica.
Afinal, qual é o papel do farmacêutico na promoção da saúde e na prevenção de doenças?
Luciana Colli: O farmacêutico é o centro da assistência farmacêutica, pode-se dizer que é o grande protagonista do processo. É o profissional legalmente habilitado a ser responsável por um insumo essencial de saúde: o medicamento. Esteja na indústria, na farmácia comunitária, na farmácia hospitalar, seu papel é imprescindível. Isso tanto é verdade, que desde a publicação da Política Nacional de Medicamentos (PNM), a busca pelo profissional e sua atuação vem sendo ampliada. Quanto à prevenção de doenças, o farmacêutico tem atuação direta nas ações demandadas por indicadores de saúde. A participação ativa do farmacêutico na pandemia viabilizou a regularização e fabricação da vacina, o que devolveu a população para as ruas e suas atividades.
Nelson Belarmino: O problema da saúde no Brasil é a falta de educação continuada dos profissionais, que faz toda a diferença no melhor atendimento aos pacientes, direcionando aos procedimentos adequados. Hoje em dia, o farmacêutico consegue fazer uma avaliação, são vários farmacêuticos que acompanham clinicamente pacientes e fazem a correta triagem e definem métodos para tratamento. É necessário inserir o profissional na atenção básica de saúde à população. Com esta inserção, muitos problemas de saúde podem ser sanados e outros evitados. Isto é, colocar o profissional certo no local certo para doenças que podem ser prevenidas e tratadas, evitando assim complicações futuras.
Thiago de Melo: A capilaridade das farmácias no Brasil me dá a certeza de afirmar que não há outro profissional de saúde tão acessível à população quanto o farmacêutico. E na minha carreira como professor/pesquisador, não tenho medido esforços para incentivar e preparar cada vez mais os farmacêuticos para a promoção da saúde e prevenção de doenças – até mesmo sem o uso de medicamentos. O incentivo ao estilo de vida saudável, incluindo dieta e exercícios também devem estar embutidos na assistência farmacêutica, extrapolando o ensino sobre o uso crítico, ético e racional dos medicamentos.
Pedro Sousa: O farmacêutico é a grande porta de entrada do paciente no sistema de saúde! A função educativa do profissional farmacêutico é fundamental para conseguir alertar a população sobre a prevenção de doenças e a adesão às vacinas. Na estética, como trabalhamos de forma integrativa, o profissional é bastante responsável pela manutenção da saúde do paciente, alertando sobre estilos de vida e realizando prescrição de componentes que vão ajudar na manutenção da saúde do paciente.
Quais são os principais desafios éticos que os profissionais de farmácia enfrentam em sua prática diária?
Luciana Colli: O farmacêutico é o último profissional de saúde que o paciente tem contato, normalmente já na fase da farmacoterapia, isso provoca uma série de desafios éticos, como observar e até se corresponsabilizar pela conduta de outros profissionais. Por exemplo, ao dispensar um medicamento prescrito, caso haja algum erro de dosagem, o farmacêutico será responsabilizado conjuntamente em caso de um evento adverso. Outro ponto, é que a atividade do farmacêutico envolve um produto que é um insumo essencial de saúde, que muitas vezes tem custo elevado. A pressão por vendas, metas, pode colocar o profissional em dilemas éticos.
Thiago de Melo: Um dos principais seria ter que lidar com conflitos de interesse (indústrias, proprietários), como pressões para promover determinados medicamentos sem evidências científicas - e exemplos atuais não faltam. Outro desafio ético seria garantir a privacidade e confidencialidade das informações obtidas dos pacientes em seus atendimentos. De forma bem prática, também recordo de muitos colegas que precisam lidar com pacientes que querem obter medicamentos controlados de forma inadequada.
Pedro Sousa: O farmacêutico está sempre exposto a desafios éticos, principalmente os que trabalham em instituições públicas. As condições precárias de trabalho, a estrutura dos serviços e sobrecarga de trabalho expõem bastante o profissional ao limites éticos. Na estética temos um abismo ético muito grande em que o profissional não é legalmente habilitado pelo CFF a socorrer pacientes que possam ter intercorrências mais graves, dessa forma o profissional fica engessado em relação ao cuidado com seu paciente.
Comente sobre a importância da educação continuada e do desenvolvimento profissional para farmacêuticos.
Luciana Colli: A educação continuada vai além de importante, sendo hoje uma questão vital, de sobrevivência e manutenção da empregabilidade do profissional, que está inserido em um ambiente contínuo de mudanças, a obsolescência acontece em períodos cada vez menores. A rotina de estudos deve ser constante e aliada à prática profissional, para se alcançar o desenvolvimento.
Nelson Belarmino: Educação continuada não se faz necessário somente na área da Oncologia, mas sim em toda a área da saúde, são conhecimentos adquiridos no dia a dia, na academia. Diariamente, os métodos são atualizados, por isso é necessário que o profissional se capacite para não ficar para trás. Cada dia que passa estamos conseguindo exercer novas atividades que jamais pensamos exercer em determinado momento. A clínica é um exemplo disso, assim como a estética e a própria clínica oncológica.
Thiago de Melo: Como a área da saúde está em constante evolução, costumo dizer para os profissionais dessa área que se um dia pensaram em parar de aprender, que larguem essa profissão – e para o farmacêutico, claro que não seria diferente. Manter-se atualizado em relação a novos medicamentos, tecnologias e práticas clínicas é essencial para oferecer o melhor atendimento aos pacientes. E como fazer isso continuamente? Minha sugestão é estar em ambientes que favoreçam essa busca constante pela excelência, não somente no próprio emprego (ou seja, sem se acomodar com sua prática diária) quanto na busca por simpósios, congressos, workshops, ambientes de atualização (como nossa Comunidade Farmaconaprática) ou pós-graduação como do ICTQ.
Pedro Sousa: Com o advento da inteligência artificial e da modernização dos processos, o farmacêutico precisa estar atento e qualificado nas novas tecnologias para não se tornar um profissional obsoleto. A estética, por exemplo, é uma área clínica que tem atualizações de protocolos e produtos constantemente, sem uma qualificação continuada, esse profissional pode ficar pra trás em um mercado altamente competitivo.
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