O eterno dilema da logística reversa de medicamentos

Nas últimas décadas, a sociedade vem se destacando pelo consumo exacerbado, seja em virtude do crescimento populacional, dos avanços da ciência e/ou da expansão da indústria. Esse comportamento faz com que sejamos reconhecidos, ao limiar do século XXI, como a civilização dos resíduos, marcada pelo desperdício e pelas contradições de um desenvolvimento industrial e tecnológico sem precedentes na história da humanidade.

O Brasil é o sétimo país que mais consome medicamentos no mundo, mas, existe pouca legislação referente ao correto descarte de medicamentos vencidos ou sem uso. Muitos desconhecem que os medicamentos podem, por exemplo, ser depositados em unidades básicas de saúde ou em algumas farmácias, aptas a darem o destino correto a esses resíduos tóxicos. Diante desta realidade, o que fazer com medicamentos vencidos ou que não são mais necessários quando um tratamento de saúde chega ao fim?

Iniciativas do varejo e da indústria

É comprovado que o impacto que os resíduos de medicamentos causam ao meio ambiente é um grave problema. Nos últimos 50 anos houve um acúmulo de resíduos medicamentosos no planeta projetado de 12,5 milhões de toneladas.   

A preocupação das empresas que participam dessa cadeia produtiva no Brasil deu origem ao Programa Descarte Consciente. O programa foi desenvolvido pela Brasil Health Service BHS, empresa incubada na USP (Cietec), fruto de amplos estudos, pesquisas no mundo todo, apoio de universidades e participação ativa de profissionais técnicos e acadêmicos.    

De acordo com a gerente do programa, Luciana Siqueiros, em cada Farmácia participante, existe uma estação coletora que foi desenvolvida com alta tecnologia e segurança visando atender às exigências sanitárias e facilitação do descarte adequado de seus medicamentos. “A BHS fornece as estações coletoras (ECOMEDs) e faz a gestão completa de todo processo até a destinação final. E o mais importante, os farmacêuticos presentes nos pontos de coleta estão aptos a auxiliar nesse processo. Atualmente temos 970 estações coletando, presente em 19 estados no Brasil”.           

Siqueiros informa ainda que coleta “mais de 243 toneladas de resíduos medicamentosos por ano. Estima que 1kg de medicamento contamina 450.000 litros de água. Portanto, já foram preservados mais de 109 bilhões de litros de água”. Participam do programa da BHS as redes de farmácias, Raia, Drogasil, Nissei, Pague Menos, Carrefour e Panvel.         Apoiam o projeto as indústrias como Novartis, EMS, Medley, Roche, Eurofarma, GSK, Pfizer, dentre outras.     

Nas farmácias de manipulação, iniciativas semelhantes trazem também bons exemplos. Os clientes da rede de Farmácia Artesanal, sediada em Goiânia - GO, já adotaram a cultura de irem à farmácia para descartar seus resíduos medicamentosos. “Desde 2011 os nossos clientes descartam medicamentos vencidos gratuitamente, em qualquer uma das nossas 46 lojas, em um totem disponibilizado para isso. Recolhemos os medicamentos descartados nas lojas a cada 15 dias e enviamos para incineração, que faz a separação, pesagem e bimestralmente eles nos enviam o relatório da quantidade do que foi incinerado”, relata, o farmacêutico Dr. Evandro Tokasrki. 

A Roche Farma Brasil também em parceria com o portal eCycle, disponibiliza no site www.roche.com.br uma plataforma que divulga informações sobre o descarte adequado de remédios e mapeia, de acordo com o endereço fornecido, os postos de coleta mais próximos ao usuário, em todo o território brasileiro. “Uma das prioridades da Roche é o aperfeiçoamento de práticas sustentáveis, alinhadas à estratégia da empresa, e que produzam resultados concretos no médio e longo prazo. O projeto da eCycle tem uma sinergia perfeita com o nosso negócio, pois contribui para a preservação dos recursos ambientais e para a construção de as uma sociedade, mais consciente e justa”, ressalta Sarah Chaia, diretora da Divisão Jurídica, Compliance, Healthcare Compliance e Responsabilidade Social e sponsor do Comitê de Sustentabilidade da Roche Farma Brasil.

Os objetos perfurocortantes, como seringas e agulhas, são levadospara uma usina de tratamento, onde são descontaminados. Depois, são encaminhados para aterros – depósitos nos quais são descartados os materiais sólidos. Já os medicamentos vencidos e produtos químicos, são incinerados (queimados) em usinas preparadas ambientalmente para essa ação.

Inciativas políticas

Com a aprovação da Política Nacional de Resíduos Sólidos – PNRS, através da Lei nº 12.305/2010 e do Decreto nº7404/2010, um novo marco regulatório foi estabelecido para a gestão de resíduos sólidos no Brasil. A Conselheira Federal de Farmácia pelo Acre, Rossana Freitas Spiguel explica que, entre os resíduos priorizados inicialmente pela PNRS, os medicamentos tiveram um destaque importante devido aos grandes riscos à saúde humana e ao meio ambiente. “O descarte de medicamentos deve ser feito em pontos de coleta específicos e seguros para serem posteriormente encaminhados à destinação final ambientalmente correta”, diz Rossana.

Para a Conselheira, o desperdício que gera maior descarte de medicamentos tem várias causas, dentre as quais se destacam a dispensação de medicamentos além da quantidade exata para o tratamento do paciente, a interrupção ou mudança de tratamento, a distribuição aleatória de amostras-grátis; e o gerenciamento inadequado de estoques de medicamentos por parte das empresas e dos estabelecimentos de saúde. “É preciso ressaltar que, no Brasil, o descarte de medicamentos em desuso, vencidos ou sobras é feito por grande parte da população em lixo comum ou em rede pública de esgoto. Atitudes essas que geram a agressão ao meio ambiente, a contaminação da água, do solo e de animais, além do risco à saúde de pessoas que possam reutilizá-los por acidente ou mesmo, intencionalmente, devido a fatores sociais ou circunstanciais diversos”, pontua a Spiguel.

Rossana aponta que o desperdício de medicamentos merece ser tratado com a devida atenção, uma vez que esses não terão outro destino senão o descarte. “A destinação final dos medicamentos é tema relevante na saúde pública devido as diferentes propriedades farmacológicas dos medicamentos que, inevitavelmente, se tornarão resíduos e não poderão mais ser utilizados”, lembra.

O Ministério da Saúde e o Ministério do Meio Ambiente, órgãos responsáveis pela normatização do descarte de medicamentos no Brasil, devem fornecer instrumentos para que os autores envolvidos em atividades que geram resíduos dessa natureza possam dar-lhes a disposição final adequada. “Todavia, até o presente momento, os processos de descarte, transporte, tratamento e de disposição final destes resíduos ainda não estão claramente definidos e verifica-se ainda uma indefinição quanto à responsabilidade de cada elo da cadeia farmacêutica e a ausência de orientação técnico-científica consolidada sobre o tema”, ressalta Rossana Spiguel.

Já o Conselheiro Federal de Farmácia pelo Paraná, Dr. Javier Gamarra, explica que “a logística reversa para o descarte de medicamentos tem sido discutida e articulada desde 2011 com os diversos setores da cadeia, na perspectiva de conformação de um acordo setorial voltado para a implantação da logística reversa para os resíduos de medicamentos, assim como outras medidas de não geração e de redução” observou Javier.

Gamarra diz que a implantação de um programa dessa natureza com abrangência nacional, sobretudo considerando a base territorial do Brasil, não é tarefa fácil. “Mas é possível identificar alguns pontos cruciais necessários para um melhor resultado. Um desses, por exemplo, é  exigir a mudança de atitude no que tange todos os envolvidos no processo da gestão dos resíduos de medicamentos, principalmente dos atores do setor produtivo do medicamento” afirma.

Para Gamarra é importante estimular a participação das diversas entidades e instituições dos estados e municípios para a operacionalização, monitoramento e controle em cada uma das etapas de implantação da logística reversa. “E é imprescindível a realização de campanhas maciças e constantes junto à população para incentivar no descarte correto dos resíduos. Isso trará resultados positivos a médio e a longo prazo e irá requerer divulgação das metas estipuladas dentro das várias fases do programa, assim como avaliações contínuas dos resultados obtidos e das metas estipuladas. Portanto, é importante que todos os autores envolvidos, direta ou indiretamente, na geração de resíduos de medicamentos se empenhem para implantação e implementação efetiva da Política Nacional de Resíduos Sólidos, a fim de proteger a saúde da população e, principalmente, de manter o meio ambiente equilibrado para as gerações futuras” conclui.

Responsabilidades

Mesmo com esforço de algumas iniciativas da indústria e varejo farmacêutico, o problema ainda está longe de ser resolvido. O sistema de logística reversa é um dos pontos mais importantes da Política Nacional de Resíduos Sólidos. Está ligado diretamente ao princípio da responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida dos produtos entre fabricantes, comerciantes, consumidores e poder público.

Desde 2017 tramita na Comissão de Meio Ambiente (CMA) uma proposta para alterar a lei que instituiu a Política Nacional de Resíduos Sólidos (Lei 12.305/2010) com objetivo de disciplinar o descarte de medicamentos. O senador Cyro Miranda (PSDB-GO), é autor do projeto (PLS 148/2011). O texto do projeto do parlamentar obriga a cadeia produtora e varejista desse ramo a responder pelo destino final ambientalmente adequado dos resíduos gerados por esses produtos, o que diminuirá intoxicações e até a contaminação ambiental causada pelo descarte irregular dos medicamentos.

O Conselheiro Federal de Farmácia pelo Paraná, Dr. Javier Gamarra acredita que os instrumentos para firmar compromisso na área de logística reversa são os acordos setoriais e os termos de compromisso. “Por permitir grande participação social, o acordo setorial tem sido o meio escolhido pelo Comitê Orientador, formado por técnicos de cinco ministérios: Meio Ambiente; Desenvolvimento, Indústria e Comércio; Agricultura; Fazenda; e Saúde”.

Para se ter ideia do potencial desses impactos e de suas possíveis consequências, um estudo da Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI), publicado em outubro de 2016, esclareceu as reais condições de descarte de medicamentos. A pesquisa se baseou em dados estatísticos levantados pelo IBGE, pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e pelo Conselho Federal de Farmácia.

De acordo com o estudo, a projeção estimada é de que, de 2014 a 2018, as cidades brasileiras seriam capazes de gerar até 5,8 mil toneladas de resíduos de fármacos. Esse crescimento é proporcional à taxa de consumo total de medicamentos, que também vem crescendo nos últimos anos. No mesmo período, o número de descarte nos municípios com mais de 100 mil habitantes subiu de 2.474 para 3.123 toneladas. Houve um crescimento de 649 toneladas de resíduos descartados ao meio ambiente de forma irregular nesses municípios, durante esses cinco anos. 

Apesar do debate político e disputa entre varejo e indústria para saber de quem é a responsabilidade, o crescimento do consumo e do descarte irracional, colocam os envolvidos intimamente ligados ao compromisso de se encarregarem pelo destino desses resíduos a partir da logística reversa.

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