Farmacoterapia e Fisiopatologia do sistema cardiovascular

O sistema circulatório é o que fornece oxigênio aos tecidos e substâncias absorvidas do trato gastrointestinal às células. Libera dióxido de carbono nos pulmões e transporta outros produtos de metabolismo até os rins, atuando na regulação da temperatura e distribuição de hormônios e outras substâncias.

Composto pelo coração, vasos sanguíneos e sangue, o sistema cardiovascular sofre influência do sistema nervoso central. O sistema circulatório apresenta fluxos circulatórios característicos para cada órgão, como circulação portal, circulação pulmonar e circulação linfática, entre outras.

De acordo com o farmacêutico e professor do ICTQ - Instituto de Pesquisa e Pós-Graduação para o Mercado Farmacêutico, dr. Claudinei  Santana, a  compreensão desse sistema pelo farmacêutico é muito importante para a realização das atividades de atenção farmacêutica e farmácia clínica.

Apenas para relembrar, rapidamente, alguns conceitos básicos, vale dizer que o coração é um órgão constituído por tecido muscular cardíaco, localizado entre os pulmões, e tem a parte inferior direcionada para a esquerda. É dividido em quatro cavidades (átrios direito e esquerdo e ventrículos direito e esquerdo). Esse órgão tem a responsabilidade de bombear aos pulmões sangue venoso rico em dióxido de carbono, que foi produzido pelas células para ser expelido, e bombear para todas as células do organismo sangue arterial, rico em oxigênio, que foi absorvido e incorporado pelas hemácias no pulmão.

Essa atividade de bombear o sangue gera pressões nos vasos sanguíneos, que podem ser aferidas. A pressão sistólica representa a pressão nos vasos sanguíneos a partir da contração dos ventrículos, e a diástole representa o relaxamento das mesmas estruturas cardíacas. Sendo consideradas pressões adequadas em adultos a sístole de 120 mmHg e diástole de 80mmHg.

Para valores acima disso denomina-se de hipertensão e abaixo, de hipotensão. Alterações de elevação de pressão arterial podem ocorrer para atender a uma demanda específica de oxigenação (ex. participação em uma maratona) ou relacionada a patologias específicas (insuficiência renal crônica). Diminuições de pressão arterial podem estar associadas a hipoglicemias, desidratação, processos infecciosos etc.

“O coração dispõe de um sistema próprio de condução elétrica para a contração cardíaca. O sistema de condução elétrica, intrínseco normal do coração, permite que a propagação elétrica seja transmitida do nodo sinusal, por ambos os átrios, até o nodo atrioventricular. Subsequente a este fato, a partir de fibras rápidas, há o potencial de ação que o nodo atrioventricular alcance as células dos ventrículos, estimulando a contração cardíaca”, lembra o professor.

Para o desempenho adequado da bomba cardíaca e manutenção do ritmo cardíaco, vários processos estão envolvidos, relacionados a íons específicos como Na+, K+, Ca++. Por sua vez, esse processo, quando não realizado adequadamente, pode gerar arritmias de leve a grave intensidade, com risco de óbito.

Eletrocardiograma

A avaliação desse ritmo cardíaco pode ser realizada por meio do eletrocardiograma, que é a representação gráfica, por ondas, dos fenômenos elétricos desencadeados durante a atividade cardíaca.

No eletrocardiograma cada onda é representada por uma letra que correlaciona com uma etapa do processo de propagação do potencial elétrico, e consequentemente contração cardíaca.

- Onda P: despolarização atrial

- QRS: despolarização ventricular

- Onda T: repolarização ventricular

- Onda U: potenciais tardios

“O farmacêutico clínico necessita ter conhecimento sobre interpretação de eletrocardiograma, não para fornecer diagnóstico de arritmias, já que essa atividade é exclusivamente médica, mas para a diferenciação entre o eletrocardiograma normal e o alterado. Nesse momento de identificação de alteração no eletrocardiograma é de extrema importância o encaminhamento do paciente aos serviços de saúde para avalição emergencial”, alerta Santana.

Várias patologias podem ocasionar alterações importantes no ritmo cardíaco, como infarto, insuficiência cardíaca, hipo ou hiperglicemia, convulsões etc. O sistema nervoso é ligado ao coração por nervos simpáticos e parassimpáticos, promovendo algumas modificações fisiológicas.

Efeitos do estímulo simpático:

- Ação cronotrópica positiva - aumenta frequência cardíaca - taquicardia;

- Ação inotrópica positiva - aumenta força de contração cardíaca, tanto de átrios como de ventrículos;

- Aumenta velocidade de descarga do nodo SA;

- Aumenta velocidade de condução no nodo atrioventricular.

Efeitos do estímulo parassimpático (estímulo vagal):

- Ação cronotrópica negativa - diminui frequência cardíaca - bradicardia;

- Ação inotrópica negativa - diminui a força de contração atrial e, em menor grau, a ventricular, devido à baixa quantidade de receptores para acetilcolina presentes no miocárdio ventricular;

- Diminui a velocidade de descarga do nodo SA; e

- Diminui ou bloqueia a condução no nodo atrioventricular.

Tais modificações acima mencionadas surgem a partir da interação entre receptores Beta 1 e Beta 2 adrenérgicos e receptor muscarínico M2.

“A esses receptores estão relacionadas mudanças fisiológicas, como vasoconstrição, vasodilatação, taquicardia, bradicardia, ação inotrópica positiva e negativa. Muitas das patologias (hipertensão, arritmias, insuficiência cardíaca) que acometem esse sistema são tratados com fármacos que interferem na funcionalidade destes receptores”, menciona Santana.

Vasos sanguíneos

Os vasos sanguíneos estão distribuídos pelo organismo de modo que, continuamente, o sangue é direcionado aos tecidos para realizar a troca gasosa e fornecimento de nutrientes e, posteriormente, retornando ao coração.

Há três tipos de vasos:

- Artérias e arteríolas: direcionam o sangue do coração para os tecidos;

- Capilares: trocam nutrientes, oxigênio e dióxido de carbono com os tecidos;

- Vênulas e veias: direcionam o sangue dos tecidos para o coração.        

De acordo com o professor, os vasos também sofrem ação do sistema simpático e parassimpático por meio de receptores Alfa 1 e M3, respectivamente. Os receptores Alfa1, ao serem estimulados, promovem a vasoconstrição com aumento de pressão arterial. O cálcio também é importante no processo de contração muscular, sendo objeto da farmacoterapia.

Em contrapartida, os receptores M3 são responsáveis pela vasodilatação alcançando assim a homeostase com a redução da pressão arterial.

Sangue

O sangue é dividido em componentes figurados (glóbulos brancos, vermelhos, plaquetas) e plasma (eletrólitos, albumina, imunoglobulinas etc.). O sangue desempenha muitas funções, como transporte de gases, nutrientes, resíduos metabólicos, hormônios e calor; distribuição de mecanismos de defesa; e coagulação.

A coagulação é um processo que tem a principal função de interromper o extravasamento de sangue para fora do vaso sanguíneo. Desordem nesse processo pode gerar hemorragia e trombose.  O processo de coagulação ocorre em duas etapas, denominadas de hemostasia primária e hemostasia secundária (cascata de coagulação).

Segundo Santana, as vias intrínsecas e extrínsecas da cascata de coagulação pretendem, no final do processo, produzir uma proteína, denominada fibrina, de característica rígida e consistente, que será incorporada ao tampão primário produzido na hemostasia primária. Para que isso ocorra é necessária uma sequência de eventos com a presença de Ca++, fibrinogênio e fatores de coagulação para a produção de fibrina com características adequadas.

“Esse processo de coagulação pode não ocorrer adequadamente na ausência de qualquer um dos componentes, promovendo o desenvolvimento de coagulopatias. Para o tratamento dessas coagulopatias a utilização de medicamentos se torna fundamental”, ressalta Santana.

Farmacoterapia

As doenças cardiovasculares são a 1ª causa de morte no mundo. A farmacoterapia do sistema cardiovascular é numerosa, por isso, o farmacêutico clínico necessita ter conhecimento, já que, por sua vez, muitos pacientes em acompanhamento nas drogarias ou internados em hospitais sofrem de patologias que comprometem esse sistema.

Uma delas é a hipertensão arterial (HA), que é a condição clínica multifatorial caracterizada por elevação sustentada dos níveis pressóricos ≥ 140 e/ou 90 mmHg.

“A hipertensão é um dos principais problemas de saúde no Brasil. Eleva o custo médico e social, principalmente pelas complicações. Conforme estudos americanos, a prevalência da HAS aumenta progressivamente com a idade, em ambos os sexos”, fala o professor.

Os segmentos sociais mais pobres apresentam maior prevalência de hipertensão e complicações, como acidente vasculares. As regiões rurais apresentam menor prevalência de hipertensão em relação à metropolitana. Para Santana, a urbanização, os hábitos sociais e a atividade profissional são os determinantes maiores para a hipertensão. A prevalência entre os negros é sempre maior em qualquer idade.

A hipertensão arterial é, geralmente, uma afecção sem sintomas, na qual a elevação anormal da pressão nas artérias aumenta o risco de acidente vascular encefálico, ruptura de aneurisma, insuficiência cardíaca, infarto do miocárdio e lesões renais.

O diagnóstico é claro e objetivo, por meio da Medida Ambulatorial de Pressão Arterial (MAPA) e Medida Residência de Pressão Arterial (MRPA). O tratamento baseia-se em medidas farmacológicas e não farmacológicas, das quais o farmacêutico clínico pode contribuir em ambas as frentes.

“Como medidas não farmacológicas estão a atividade física, dieta equilibrada e perda de peso (em pacientes obesos). Para essas medidas, o farmacêutico clínico poderá encaminhar o paciente para a equipe multiprofissional”, aconselha ele.

Classes farmacológicas

O tratamento para hipertensão tem uma farmacoterapia variada. A proposta do tratamento é intervir em três variáveis biológicas relacionadas com a pressão arterial: coração, vasos e volume sanguíneo (agua corporal).

A partir desse princípio existem várias classes farmacológicas disponíveis:

- Diuréticos: furosemida, clortalidona, hidroclorotiazida;

- Betabloqueadores: propranolol, metoprolol, atenolol;

- Inibidores da ECA: captopril, enalapril, benazepril;

- Bloqueadores do receptor de AT II: losartano, valsartano, candersatano;

- Bloqueadores de canal de cálcio: verapamil, diltiazem, anlodipino;

- Agonistas alfa de ação central: clonidina, metildopa;

- Alfa bloqueadores: prazosina,  doxazosina;

- Vasodilatadores diretos arteriais e venosos: hidralazina e minoxidil;

- Vasodilatadores coronarianos: dinitrato de isossorbida, mononitrato de isossorbida, nitroglicerina, propatilnitrato; e

- Inibidores de Renina: alisquireno.

“Para o acompanhamento do paciente realizado pelo farmacêutico clínico o ponto mais importante é saber qual a meta a ser alcançada de pressão arterial sistólica e diastólica proposta pelo médico. Este será o foco do acompanhamento farmacoterapêutico”, explica o professor.

Segundo a Diretriz da Sociedade Europeia de Hipertensão de 2018 recomenda-se uma meta inicial de < 140/90 mmHg e, no paciente com boa tolerância, a seguir tentar < 130/80 mmHg. O objetivo final é uma PAS de 120-129 e PAD < 80 (ideal 70-79) mmHg.

Porém, existem diferentes metas de pressão para grupos especiais. Em relação ao idoso, a meta de pressão desejada é PAS 130-139 e PAD < 80 mmHg.

Para Santana, outro ponto de muita relevância é a necessidade de adesão ao tratamento, prática importante para todas as doenças crônicas. A literatura especializada informa que para se obter o controle adequada da pressão arterial, por meio de medicamentos, se faz necessária a ingestão, no mínimo, de 80% das doses prescritas pelo médico. Ou seja, de cada dez comprimidos prescritos, o paciente necessita ingerir, no mínimo, oito comprimidos.

Neste ponto, o farmacêutico clínico é fundamental ao adotar medidas para o alcance da taxa de adesão ao tratamento.

Arritmias

As arritmias são alterações do ritmo normal do coração, produzindo frequências cardíacas rápidas, lentas ou irregulares, sendo classificadas em bradicardia (<60 batimentos por minuto) ou taquicardia (>100 batimentos por minuto).

O sintoma mais comum é a palpitação. Podem ocorrer também desmaios (recuperação rápida, espontânea e sem alterações motoras), tonturas, falta de ar, mal-estar, sensação de peso no peito, fraqueza, fadiga e dor no peito.

“O tratamento é especifico e está associado à exata classificação da arritmia realizada pelo médico experiente na interpretação do eletrocardiograma e demais exames complementares. A farmacoterapia deve atuar modificando, direta ou indiretamente, as macromoléculas que controlam os fluxos de íons através da membrana das células cardíacas”, relembra Santana.

A Farmacoterapia também é complexa, com grande número de representantes:

  • Classe I: bloqueadores do canal de sódio - quinidina e procainamida;
  • Classe IB: depressão mínima da fase 0, efeito leve sobre a condução e repolarização diminuída - lidocaína e fenitoína;
  • Classe IC: depressão acentuada da fase 0, efeito acentuado sobre a condução e efeito leve sobre a repolarização – propafenona;
  • Classe II: bloqueadores beta-adrenérgicos - propranolol e outros beta-bloqueadores;
  • Classe III: fármacos com repolarização prolongada - amiodarona e sotalol;
  • Classe IV: bloqueadores seletivos do canal de cálcio – verapamil; e
  • Outros antiarrítmicos: adenosina e glicosídeos digitálicos.

Infarto Agudo do Miocárdio

Infarto agudo do miocárdio (IAM) é a necrose de uma parte do músculo cardíaco causada pela ausência da irrigação sanguínea, nutrientes e oxigênio ao coração.

É o resultado de uma série complexa de eventos acumulados ao longo dos anos, caracterizado pela oclusão das artérias coronárias em razão de um processo inflamatório associado à aderência de placas de colesterol em suas paredes.

Os sinais e sintomas são dor fixa no peito; ardor no peito (muitas vezes confundido com azia); dor no peito que se irradia pela mandíbula ou pelos ombros ou braços (mais frequentemente do lado esquerdo do corpo); ocorrência de suor; náuseas; vômito; tontura e desfalecimento; ansiedade; agitação e sensação de morte iminente.

A farmacoterapia do IAM, a exemplo da hipertensão e arritmia, segue com várias classes farmacológicas a fim de modificar fatores relacionados ao evento, que é considerado grave com risco de morte.

Farmacoterapia

- Antiagregante plaquetário e anticoagulantes: aspirina, clopidogrel, heparina, abciximab e tirofiban;

- Vasodilatadores potentes: nitroglicerina e dinitrato de issossorbida;

- Analgésicos opióides: meperidina e morfina;

- Fibrinolíticos: alteplase;

- Anti-hipertensivos e antiarrítmicos: metoprolol e propranolol;

- Anti-hipertensivos: captopril e enalapril; e

- Fibrinolíticos: alteplase e tenecteplase.

“O paciente, após restabelecimento do IAM, necessitará de farmacoterapia específica e acompanhamento médico e farmacêutico regular. A principal abordagem para esse paciente é o foco na adesão ao tratamento e possíveis interações medicamentosas”, afirma Santana.

Trombose

Trombose é a obstrução de vasos, principalmente dos membros inferiores, causada por trombos intravasculares gerados a partir de uma alteração no processo de coagulação.

A trombose pode ser completamente assintomática ou apresentar sintomas, como dor, inchaço e aumento da temperatura nas pernas, coloração vermelho-escura ou arroxeada, endurecimento da pele e falta de ar.

Segundo o professor, a farmacoterapia da trombose é por fármacos anticoagulantes que interferem no processo de coagulação, sendo classificados em fármacos de ação direta e de ação indireta.

Os fármacos anticoagulantes de ação direta interferem em pontos da cascata de coagulação (heparina e heparina de baixo peso molecular, dabigatrana).

A heparina, em especial, realiza um efeito anticoagulante imediato e potente e, devido a suas características farmacológicas, é um fármaco pouco seguro. “Para melhorar a segurança em relação às doses administradas (menores eventos hemorrágicos) foram desenvolvidos fármacos a partir de frações da heparina sódica com baixo peso molecular. Os representantes são enoxaparina, dalteparina entre outros que apresentam um papel importante na profilaxia da trombose”, lembra Santana.

Os fármacos anticoagulantes de ação indireta interferem na produção de fatores que serão utilizados na cascata de coagulação (varfarina bloqueia a ativação da vitamina k, que é essencial para a produção dos fatores de coagulação). O efeito da varfarina pode ser diminuído na presença de vegetais verde escuros e folhosos, chá preto e, principalmente, chá verde. O farmacêutico necessita alertar o paciente para não exceder o consumo.

Em relação aos trombos formados, a utilização de fármacos denominados fibrinolíticos deve ocorrer em até 72 horas após a sua formação, e nesta situação o farmacêutico clínico deve realizar a monitorização desse período, pois, após este prazo o trombo torna-se mais consistente, sendo difícil sua dissolução. Nessa classe encontra-se o alteplase e tenecteplase.

Para a prevenção de novos eventos de tromboembolismo será necessária a adoção da farmacoterapia anticoagulante e antiagregante plaquetária, como: Abciximab, Clopidogrel, Dipiridamol, Drotrecogina alfa, Pentoxifilina, Ticlopidina e Tirofibana.

“O conhecimento adequado da fisiopatologia e farmacoterapia é importante para o exercício adequado da prática profissional do farmacêutico clínico”, conclui o professor.

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